Inácio Araújo

Kirk Douglas foi o último sobrevivente da era de ouro de Hollywood

A sucessão de obras-primas de que participou, ao lado de grandes diretores, é quase interminável

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Kirk Douglas não esperou a morte, aos 103 anos de idade, para se tornar uma lenda do cinema. Ele morreu na noite desta quarta (5), em Los Angeles, de causas não informadas.

Tão logo conseguiu seu primeiro papel em Hollywood, graças a um empurrãozinho de sua ex-colega de universidade, Lauren Bacall, soube se impor. Começou em 1946 com um segundo papel masculino, ao lado de Barbara Stanwick e Van Heflin, em “O Tempo Não Apaga”, dirigido por Lewis Milestone.

Daí por diante, a sucessão de obras-primas de que participou, ao lado de grandes diretores, é quase interminável, começando por “Fuga do Passado”, de Jacques Tourneur, e passando por “Embrutecidos pela Violência” (de Raoul Walsh, 1951), “A Montanha  dos 7 Abutres” (Billy Wilder, 1951), “Assim Estava Escrito”, (Vincente Minnelli ,1952).

E ainda “O Rio da Aventura” (Howard Hawks, 1952), “20.000 Léguas Submarinas” (Richard Fleischer, 1954), “Homem sem Rumo” (King Vidor, 1955), “O Nono Mandamento” (Richard Quine, 1960), “O Último Pôr-do-Sol” (Robert Aldrich, 1961). Pode-se acrescentar um extenso etc. a tudo isso para resumir uma história de quase cem filmes.

A era clássica de Hollywood terminava, mas Kirk estava longe de chegar ao fim: não chegara ainda aos 50 anos.

Até então tinha trabalhado com quase todos os grandes cineastas de seu tempo, de agora em diante seus grandes papéis estariam mais espaçados: “Os Heróis de Telemark” (Anthony Mann, 1965), “A Primeira Vitória” (Otto Preminger, 1965) e “Movidos pelo Ódio” (Elia Kazan, 1969).

Ao lado do filho Michael Douglas.

Em 1978 ainda teria fôlego para estrelar “A Fúria”, de Brian de Palma, o único cineasta de primeiro time da chamada geração das escolas (ou Nova Hollywood) com que trabalhou. Com efeito, foi considerado fora de idade para estrelar “Um Estranho no Ninho”, de Milos Forman (1975). O papel ficou com Jack Nicholson. Kirk tinha quase 60 anos, o cinema estava mudando.

Conhecido como trabalhador infatigável, desde os anos 1950, envolveu-se também com produção e participou nessa condição dos dois grandes filmes que fez com Stanley Kubrick na direção: “Glória Feita de Sangue” (1957) e “Spartacus” (1960).

Entre os outros 30 títulos que figuram em seu currículo de produtor destaca-se “À Sombra de um Gigante” (Melville Shavelson, 1966), em que evoca a guerra de independência de Israel e presta tributo, assim, às suas origens.

Kirk Douglas nasceu em dezembro de 1916 em Amsterdam, estado de Nova York, filho de imigrantes judeus vindos da Rússia, com o nome de Issur Danielovich Demsky. Não adotou Kirk Douglas como
nome artístico, e sim ao entrar na Marinha, em 1941, tendo permanecido alistado até o fim da Segunda Guerra.

Se não passou vergonha em seu filme de estreia, começou a destacar-se como o vilão de “Fuga do Passado”.

Em 1949 já era indicado pela primeira vez ao Oscar de melhor ator por “O Invencível”, de Mark Robson, fazendo o papel de um pugilista. Isto é, retomando uma das muitas atividades que desenvolveu desde a infância pobre, antes de chegar ao cinema.

Mais duas vezes seria indicado a melhor ator, como o cruel produtor de “Assim Estava Escrito”, de 1952, e como o Van Gogh de “Sede de Viver” (1956). Talvez houvesse algum exagero quando disse que fez “uma carreira fazendo filhos da puta”. Mas boa parte deles não eram boas pessoas, admita-se.

Se nunca recebeu o Oscar de melhor ator, Kirk viu seu filho Michael recebê-lo por seu trabalho em “Wall Street” (1987). E poderia, de todo modo, ganhar um pela extensão de seus registros: nos quase cem filmes em que atuou, fez vilões ou heróis, tipos fortes ou frágeis, diretos ou conflitivos, fez dramas, comédias, filmes de aventura com igual desenvoltura.

Afinal, ganhou um prêmio especial em 1995, um ano antes de sofrer o AVC que dificultaria sua carreira desde então, devido à dificuldade que tinha para falar. Sim, esses prêmios especiais costumam ser o prenúncio da morte.

Mas Kirk Douglas estava disposto a desmenti-los. A dificuldade de fala que teve o forçou a diminuir o ritmo da carreira, mas não a abandoná-la.

Vilão ou não, esse infatigável trabalhador foi o último sobrevivente da era de ouro de Hollywood. Era duro na queda. (Folhapress)

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