Europa

Europa sentirá saudades da chanceler alemã, que pode deixar o cargo em dezembro

Angela Mekel está ameaçada de perder o poder após 12 anos

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Lisbo – A Europa sentirá saudades da Chanceler Angela Merkel, se ela desaparecer da cena política. Isso poderá acontecer se, na sequência da sua renúncia à liderança da CDU, em dezembro próximo, for afastada da Chefia do Governo da Alemanha que ocupa há 12 anos. A consequência da sua decisão de deixar a direção do partido poderá ser a perda da chancelaria. Foi o que aconteceu com seu antecessor, Gerhard Schroeder, chanceler entre 1998 e 2005 e que fez o mesmo. Durou apenas mais 15 meses no cargo.

O futuro de Merkel como Chefe de Governo da Alemanha depende de quem a substituir na liderança do CDU. Seu desafio é eleger o sucessor, alguém capaz de reunir condições para mantê-la na função governativa até 2021,como gostaria. Há pelo menos 6 candidatos ao cargo. Três mulheres, todas suas aliadas. Júlia Klöckner, Annegret Kamp-Karrenbauer, sua favorita, e Úrsula von der Leyen, vice do CDU, mais liberal do que Merkel, o que reduz suas hipóteses. Há ainda Peter Altmaier, seu braço direito e o político mais poderoso de Berlim.

Por fora, corre o jovem e ambicioso Jens Spahn, de 37 anos, crítico e rival de Merkel, da ala conservadora do CDU, apesar de tutelar a pasta da Saúde do seu Governo. Ele tem sido comparado ao ex-chanceler Sebastian Kurtz, que levou o partido para a direita, aliando-se à extrema-direita, onde os neofascistas estão crescendo à custa da direita liberal e com o mesmo discurso anti-imigração. Enquanto Angela Merkel fez percurso contrário, conduzindo a CDU da direita para o centro.

Estrategista competente e pragmática, especialista na arte de encontrar consensos, Merkel tem sido até agora uma espécie de âncora da estabilidade europeia. Sempre defendeu a democracia, a liberdade e direitos iguais para todos. Nos anos de crise na Europa, que ainda não acabaram, fez o que deveria ter feito, mesmo à custa do sofrimento dos países do Sul.

Política discreta, não é de espectáculos, mas de resolução de problemas. Já circulam rumores de que se deixar de ser a Chefe do Governo Alemão, poderia presidir a Comissão Europeia ou o Conselho Europeu, mas não é o que ela deseja. Merkel sabe que o cargo que ocupa tem mais poder de decisão do qualquer uma destas funções. Se não conseguir permanecer como chanceler, deverá ir para casa, o que será uma perda para a União Europeia.

Europeísta convicta, funcionou sempre como uma força aglutinadora. Liderou a reação à Rússia, depois da anexação da Criméia, e trata líderes considerados fortes, como Putin e Erdogan, com frontalidade. Enfrentou Trump na visita à Washington. Cobrada a colocar mais dinheiro na OTAN, afirmou que a Europa tinha de tomar o seu destino nas mãos pois não poderia depender dos outros, pelo menos parcialmente para garantir sua segurança. Resistiu sem se abalar com as críticas dos alemães quando, generosamente, abriu as portas do país a um milhão de imigrantes. Ela sempre foi igual a ela mesma.

Numa Europa inclinando-se para o populismo, como a Itália de Salvini, líder da Liga Norte, e a Polônia, a República Checa, a Eslováquia e a Hungria no mesmo caminho, Merkel formou parceria com o Presidente da França, Emmanuel Macron, para enfrentar uma deriva que pode acabar com o projecto europeu. Não por acaso, Macron declarou, diante do Arco do Triunfo, durante as comemorações dos 100 anos da assinatura do armistício que marcou o final da I Guerra, que “estão reaparecendo demônios antigos”.

Merkel e o francês Macron: parceria pelo projeto europeu.

Com a popularidade em baixa e correndo o risco de perder as eleições para o pior da vanguarda do atraso, representada por Marie Le Pen, ele sabe do que fala. Sem o apoio de Merkel, dificilmente conseguiria carregar sozinho o andor, onde os santos não são de barro e pesam demasiado. As diferenças entre a dupla franco-alemã e a formada por Trump e Putin ficaram mais evidenciadas nas cerimônias que ocorreram em Paris. Na presença de 70 Chefes de Estado e de Governo e do Secretario Geral da ONU, o português António Guterres, o Presidente francês não se intimidou e deu seu recado, afirmando que o “o patriotismo é exatamente o contrário do nacionalismo. O nacionalismo é traição.”

Seno crispado, Trump ouviu o anfitrião criticá-lo sem sutilezas. “Ao dizermos os nossos interesses primeiro e os dos outros não interessam, perdemos o que uma nação tem de mais precioso, o que a faz viver: os seus valores morais.”O Presidente dos Estados Unidos retaliou e não deu as caras no Fórum pela Paz organizado por Macron. A conferência foi aberta por Merkel, que alinhou com o discurso do colega francês, declarando não haver alternativas ao multilateralismo. Antonio Guterres foi na mesma direcção.

Um dia antes, Merkel já havia discursado numa sinagoga em Berlim, durante cerimônia que marcou o 80º aniversário da Kristallnacht (Noite de Cristal) quando os nazistas atacaram violentamente os judeus na Alemanha. Ela alertou que as sociedades não podem ser divididas “entre nós contra eles”, frase predileta de Lula na sua última campanha à Presidência da Republica.

Tanto Merkel quanto Macron consideram a União Europeia um bem inestimável e lutam pela preservação do projecto europeu, que foi a melhor forma de construir a paz e a única maneira encontrada pelos países que tinham perdido seus impérios para manter alguma importância e voz nos destinos do mundo. A União Europeia ainda reúne enorme capital de esperança, mas seus líderes precisam compreender, aceitar e tentar corrigir as causas do descontentamento de muitos europeus que têm aberto espaço aos populistas, nacionalistas e à extrema-direita.

É preciso reconhecer que há uma distância cada vez mais larga entre os discursos de inclusão dos dirigentes europeus e a realidade do dia a dia, que revela parcelas expressivas da população europeia cada vez mais desiludidas com relação às promessas feitas. Foram consagrados direitos à educação, à saúde e à segurança social, mas as políticas de austeridade de Bruxelas, que provocaram a redução de salários e benefícios sociais, a introdução do trabalho precário e o desemprego, contribuíram para a descrença de muitos. Se permanecer como Governante da Alemanha e líder número um da Europa, Merkel precisa recolocar no eixo os ideais que deram origem à União Europeia.

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