Gilets jaunes

Crise deixa encurralado o presidente francês Emmanuel Macron

Nossa correspondente mostra por que o futuro de Macron será definido no sábado

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O presidente da França, Emmanuel Macron, poderá ser obrigado a capitular se a quarta manifestação dos coletes amarelos, os gilets jaunes, prevista para o próximo sábado, for maior e igualmente violenta como a da semana passada. Foi o que fez o ex-Presidente De Gaulle, fundador da Quinta República, em decorrência da rebelião de maio de 68. Apesar da natureza diversa, os dois movimentos possuem ponto em comum. A perda de credibilidade do governo francês junto à maioria expressiva da população.

Maio de 68 levou ao afastamento do Presidente De Gaulle, obrigado a convocar eleições antecipadas no final daquele mês que introduziu profundas modificações no país. Quem observa atentamente a rebelião dos coletes amarelos não exclui o mesmo desfecho para Mácron, considerado Presidente dos Ricos, que não olha para os pobres, enquanto sua mulher, Brigitte Trogneux, já é chamada de Maria Antonieta.

Como em maio de 68, deflagrado com um protesto de 142 estudantes da Universidade de Nanterre, evoluindo para a maior greve mundial do operariado, com 10 milhões de braços cruzados, a atual mobilização está em crescente ebulição. Os estudantes dos liceus já começam a se organizar para aderir. Nos dois casos, faltou sensibilidade ao governo para contornar a situação, atendendo às reivindicações mais justas e urgentes.

Tal como agora, inicialmente o governo do Presidente De Gaulle não se mostrou disponível para o entendimento. Fez somente pequenas concessões, insuficientes para acalmar os ânimos. No entanto, com a escalada dos protestos, De Gaulle concedeu 35% de aumento do salário mínimo, prometeu elevar os vencimentos da classe trabalhadora e convocou novas eleições, tornando sucessor seu popular primeiro ministro, George Pompidou.

A crise foi esvaziada. Mas a volta às universidades e às fábricas não significou o término da luta contra a ordem capitalista. Foi apenas seu primeiro capítulo. O segundo começa a ser escrito agora, fomentado pelo inconformismo dos franceses com a perda do seu poder de compra. Possivelmente, Macron não acreditava pudesse perder as rédeas do poder e na queda da sua popularidade, atualmente em torno de 26%. Fez o que entendeu deveria ser feito, sem ouvir o rumor fora do seu palácio.

Autocentrado, comentou diversos erros. Primeiro, negligenciou a criação de organismos intermediários para negociar com a população quando necessário, como atualmente. Macron queria uma linha direta com os franceses, mas tudo o que conseguiu foi criar um abismo e não sabe agora como ultrapassá-lo. Não há partidos, sindicados ou líderes entre os revoltosos com quem sentar-se à mesa.

O que se tem visto é o oportunismo de políticos buscando extrair dividendos da situação. Todos os partidos fazem o mesmo, desde os republicanos até a esquerda, como o ex-presidente François Hollande e sua ex-mulher, Ségolène Royal, ex-ministra da Ecologia. Chama a atenção o fato de nenhum deles, até então, ter defendido nenhuma das providências defendidas pelos coletes amarelos.

O Presidente do Senado, Gérard Larcher, jogou a primeira pedra, afirmando que Macron colhe o que semeou. Enquanto isso, orientado pelo Presidente, o Primeiro Ministro, Éduouard Philippe, convoca lideranças partidárias para ouvi-los sobre a crise. Mais preocupados com sua falta de líderes, os coletes amarelos rejeitam esta intermediação e organizam-se em toda França para eleger pessoas em condição de dialogar com membros do governo francês, o que é um fenômeno inédito.

Talvez Mácron não tenha interpretado corretamente os motivos da decepção dos franceses com sua atuação. Caso contrário, não teria cancelado o imposto sobre as grandes fortunas (ISF), implantado reformas contestadas com sua maioria parlamentar, sem atenção aos protestos, para logo a seguir criar um imposto sobre os combustíveis, alegando necessidade de financiamento para a transição ecológica do país. Foi o suficiente para temperatura elevar-se e a tampa saltar fora.

Num primeiro momento, Macron tentou menosprezar o movimento e marginalizá-lo, procurando colá-lo à extremas direita e esquerda como vândalos. Não funcionou e as fileiras continuaram a engrossar. Deu um primeiro passo em direção aos manifestantes explicando que o aumento seria adaptado às flutuações dos preços dos combustíveis. Só conseguiu provocar mais cólera. Por último, decretou sua moratória, o que não significa desistir da medida. Mais acha na fogueira.

Parece evidente que Emmanuel Macron está sem munição para enfrentar a crise e a debater-se com seu ego para encontrar uma saída honrosa. Até aqui silencioso, Emmanuel Macron não percebeu seu encurralamento pelos franceses enfurecidos com suas políticas, que querem o pão inteiro e não suas migalhas

A França tem uma longa tradição de revoltas populares, onde a aristocracia sempre levou a pior. Pessoas do seu círculo pessoal revelam que Mácron está insone e angustiado, sem saber como proceder para conter a revolução que marcha contra seu partido, a França em Marcha.

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