Atendimento desumano

Violência obstétrica em maternidade da UFBA é alvo de recomendações do MPF

Pacientes relatam prática de manobra de Kristeller, violência verbal e veto a acompanhantes

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O Ministério Público Federal (MPF) na Bahia recomendou ao superintendente da Maternidade Climério de Oliveira, situada em Salvador (BA), a adoção imediata de medidas de combate à violência obstétrica na unidade de saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA). A recomendação publicada no início deste mês de agosto determina prazo de 30 dias para que o gestor informe sobre o acatamento das medidas.

A partir da instauração de inquérito em 2017, o MPF apurou depoimentos de pacientes sobre condutas de violência obstétrica em atendimentos, consideradas ilegais e rejeitadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Veja as irregularidades e os relatos das pacientes

– Realização de manobra de Kristeller – que consiste na aplicação de pressão na parte superior do útero para facilitar a saída do bebê: “Membros da equipe pressionaram minha barriga durante a força que eu estava fazendo”;

– Violência verbal: “A obstetra me censurou dizendo que eu não tinha afeição por meu filho, que eu não tinha amor porque eu não conseguia segurá-lo”;

– Proibição de acompanhante: “Fiquei sozinha sem acompanhamento durante 15h com febre, pressão alta e sem tomar banho. Tive que ir, sozinha, tomar banho frio e descalça porque minhas coisas estavam com meu marido e ele foi impedido de entrar”.

De acordo com o procurador da República Edson Abdon Peixoto Filho, a situação na Maternidade Climério de Oliveira não é um fato isolado. Segundo ele, os casos de violência obstétrica encontram reforço no senso comum de que ao dar à luz em uma maternidade pública brasileira, a parturiente já deve estar preparada para se submeter a diversas formas de violência física e verbal.

Medidas recomendadas

O MPF recomenda que o superintendente da Maternidade Climério de Oliveira adote as providências necessárias a fim de evitar e coibir as práticas de violência obstétrica descritas no documento, garantindo atendimento humanizado às gestantes e parturientes atendidas, em conformidade com legislação citada; afixe cartazes elaborados pelo MPF a título de campanha educativa e de esclarecimento da população sobre violência obstétrica e direitos das gestantes; instaure imediatamente os competentes processos administrativos, sempre que tiver conhecimento de práticas de violência obstétrica no âmbito da maternidade, a fim de apurar os fatos denunciados.

O MPF orienta ainda a ampla publicidade das portarias e da Recomendação junto aos profissionais médicos e enfermeiros que trabalham nas dependências da maternidade, podendo valer-se, ainda, dos textos O que nós profissionais de saúde podemos fazer para promover os direitos humanos das mulheres na gravidez e no parto (cartilha elaborada pelo Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP) e do documento Violência Obstétrica – Parirás com dor.

Dignidade no atendimento

A Carta dos Direitos dos Usuários do SUS determina que toda pessoa tem direito ao atendimento humanizado, acolhedor, livre de qualquer discriminação, restrição ou negação, garantindo-se sua integridade física, privacidade, conforto, individualidade, segurança, bem-estar psíquico e emocional, além do respeito aos seus valores éticos, culturais e religiosos.

Em relação específica aos direitos da gestante, o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, toda mulher grávida e todo recém-nascido têm direito à assistência de forma humanizada e segura, o que inclui: ser chamada pelo nome; ser tratada com respeito e cordialidade; ter suas dúvidas esclarecidas; compartilhar as decisões sobre as condutas a serem tomadas; ter liberdade de posição e de movimento durante o trabalho de parto; ter métodos – farmacológicos ou não – para alívio da dor; não ser submetida a episiotomia de forma rotineira; permanecer em alojamento conjunto com o bebê desde o nascimento; e presença de acompanhante de livre escolha da mulher no acolhimento, trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, dentre outros.

De acordo com o dossiê Violência Obstétrica – Parirás com dor, elaborado em 2012 pela Rede Parto do Princípio para a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência Contra as Mulheres, consistem em violência obstétrica: ações que incidam sobre o corpo da mulher, que interfiram, causem dor ou dano físico, sem recomendação baseada em evidências científicas; ações verbais ou comportamentais que causem na mulher sentimentos de inferioridade, vulnerabilidade, abandono, instabilidade emocional, medo, acuação, insegurança, dissuasão, ludibriamento, alienação, perda de integridade, dignidade e prestígio; ações impostas à mulher que violem sua intimidade ou pudor, incidindo sobre seu senso de integridade sexual e reprodutiva, podendo ter acesso ou não aos órgãos sexuais e partes íntimas do seu corpo; ações ou formas de organização que dificultem, retardem ou impeçam o acesso da mulher aos seus direitos constituídos, como impedimento do acesso aos serviços de atendimento à saúde, impedimento à amamentação, omissão ou violação dos direitos da mulher durante seu período de gestação, parto e puerpério; dentre outras.

A partir do acatamento ou não da recomendação, o MPF analisará as providências adotadas e poderá seguir acompanhando a situação ou, se for o caso, mover ações requerendo judicialmente a adoção das medidas, a regularização dos problemas apontados e a responsabilização de pessoas por descumprimento da legislação aplicável.

O Inquérito Civil sobre o caso tramita no MPF sob o número 1.14.000.000882/2017-19. Confira a íntegra da recomendação. (Com informações da Ascom do MPF na Bahia)

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