Sem profissionais

Único CEU da gestão Haddad funciona sem biblioteca

Centro educacional de Heliópolis está incompleto há 7 meses

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Motivo de orgulho para uma comunidade que quer se tornar conhecida como "bairro educador", o Centro Educacional Integrado (CEU) de Heliópolis ainda não está em pleno funcionamento. O único CEU entregue até agora, entre 20 prometidos pela gestão Fernando Haddad (PT), espera a realocação de profissionais da prefeitura para ativar uma biblioteca de três andares, piscinas e quadras poliesportivas, todas entregues em novembro de 2014. Ao todo, R$ 29,4 milhões foram investidos nas obras.

A reportagem visitou a unidade na quarta-feira para conhecer a opinião de pais e alunos sobre o complexo escolar. Se você conhece uma escola com problemas, mande o relato por WhatsApp para os números (11) 9-7069-8639 e (11) 9-8960-4397.

As últimas construções do CEU Heliópolis têm projetos assinados pelo premiado arquiteto Ruy Ohtake, que possui uma relação de décadas com a associação de moradores da região e já desenvolveu obras de moradia em Heliópolis. Para a biblioteca do CEU, a coordenação estima que seriam necessários no mínimo 12 profissionais. No entanto, até agora foi confirmada a realocação de apenas quatro bibliotecários da prefeitura, segundo a coordenação local. "O Ruy pensou nessa biblioteca para 20 ou 30 funcionários, então coisas como um balcão de atendimento desse tamanho não tem mais sentido", diz o coordenador de ação cultural Emerson Rossini diante de duas bancadas que, ao todo, tinham mais de 15 metros de extensão.

Sem curadores ou bibliotecários, a coordenação ainda não sabe quais livros deve incluir na lista de pedidos à prefeitura. Até agora, o acervo recebe livros repassados por governos municipais e estaduais, além de doações, mas não tem seções especializadas. 

A recente inauguração do CEU criou uma demanda de atividades em Heliópolis que a coordenação ainda não consegue atender totalmente. Além dos alunos, o centro atende também os pais e pessoas da terceira idade de Heliópolis. Porém, do total de 12 oficinas oferecidas, quatro foram contratadas pela prefeitura com professores assalariados. O restante é feito por voluntários.

"Seria melhor se a prefeitura reembolsasse esses voluntários", sugere Rossini. "Existe o compromisso ético e profissional por parte deles, (mas) a gente não tem controle de horário, porque eles oferecem de acordo com a disponibilidade, e temos outras demandas e não conseguimos cobrir."

Como o centro educacional está a aproximadamente dois quilômetros do CEU Meninos, aberto há 11 anos, após a inauguração a comunidade de Heliópolis esperava encontrar atividades que já são oferecidas na outra unidade. "Essas pessoas vêm aqui já com uma ideia do que vão encontrar, então pedem aula de hidroginástica, por exemplo", conta Beatriz Besen, coordenadora de projetos no CEU. "E a gente vai ter (as aulas), estamos esperando, vai acontecer."

Ainda não há um coordenador de esportes no centro educacional, portanto as atividades nas quadras poliesportivas e piscinas não estão em pleno funcionamento. O aquecimento da água, que deveria ser feito com um sistema de energia solar, não funciona. Segundo a Secretaria de Educação, a empresa responsável pela construção já foi notificada e substituirá o aquecedor.

Há uma semana, o CEU recebeu seus primeiros técnicos de som e luz. Antes disso, eram os próprios coordenadores educacionais que resolviam problemas com os equipamentos. Novos profissionais, tanto o coordenador esportivo quanto bibliotecários, serão realocados de outros CEUs de São Paulo. O processo de transferência deve ser concluído dentro de um mês, de acordo com a direção. 

Em relação às oficinas que já são oferecidas e à integração do espaço, pais de alunos fazem elogios.  "O que minha filha fala é que está gostando, e ela fala com entusiasmo", diz a atendente de loja Josilene Souza, 38. "Agora eles frequentam coisas novas, cursos à tarde aqui no CEU."

Ex-aluno da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Campos Salles, que hoje está dentro do complexo educacional, o funcionário administrativo Elisson Anísio, 24, acha que o espaço melhorou nos últimos anos. Hoje, ele leva seu enteado para as aulas no jardim de infância. "Eu acho a integração muito boa porque, por exemplo, quem quer fazer aula de música pode ir ali do lado, ou fazer um curso técnico na Etec, agora fica tudo mais fácil", ele elogia.

História. Nesta semana, em entrevista ao programa Roda Viva, na TV Cultura, o ministro Renato Janine Ribeiro citou a escola municipal de ensino fundamental (Emef) Campos Salles, que está dentro do complexo do CEU Heliópolis, como exemplo de escola pública de qualidade. Há duas décadas, a escola iniciou um processo de transformação pedagógica com o diretor Braz Rodrigues Nogueira, que hoje é diretor regional de educação do Ipiranga. 

Inspirado pela Escola da Ponte, experiência pedagógica de Portugal, há dez anos ele quebrou as paredes das salas de aula a marretadas e transformou o espaço em grandes salões.  Várias turmas de diferentes séries passaram a estudar juntas, e de três a seis professores acompanham o avanço dos alunos resolvendo suas dúvidas. As crianças e os adolescentes definem quais são suas áreas de interesse e desenvolvem projetos de pesquisa, tanto em grupo como individuais.

"Na verdade, todo o conhecimento vai se construir a partir do conhecimento que o aluno já tem", diz Nogueira, explicando que é contra o sistema de ensino que considera a criança como incapaz, uma "tábua rasa", na sua definição. Não são todos os pais que concordam com o método atual do Emef Campos Salles.

"Eu acho que ela já deveria ter avançado mais nos estudos para a idade dela", diz a dona de casa Daniela Cristina, 30, sobre sua filha de seis anos que estuda no 1° ano da Emef. "Coisas que ela aprendeu na Emei, agora está desaprendendo."

Outro diferencial do CEU Heliópolis é sua relação com o bairro. O complexo educacional se formou aos poucos após anos de reivindicações da associação de moradores, em conjunto com a direção da Emef. Hoje os líderes comunitários participam ativamente das decisões que são tomadas sobre as regras de convivência no CEU, a formação dos educadores nas creches e atividades culturais. "A ideia do bairro educador surge dessa escola sem paredes, não existe essa barreira entre escola e comunidade", defende a coordenadora Beatriz Besen. A proximidade faz com que a comunidade considere o complexo educacional como uma conquista da população. 

"Esse modelo de participação da comunidade é muito importante, porque assim nos sentimos capazes de resolver nossos próprios problemas, a gente participou de cada um desses momentos, sonhou junto ", diz Antônia Cleide Alvez, presidente da União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região (Unas). Ela diz que o trabalho está longe de ser acabado no CEU. Os próximos passos são o aumento das atividades para ocupar os equipamentos ainda desativados do complexo e a remuneração dos voluntários que oferecem cursos. "A gente acha muito importante a proposta do CEU, mas ainda precisa de muita atividade". (AE)

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