Tese 'ardilosa' pode render cargo vitalício a tio de Renan Filho
Fábio Ferrario virou ‘advogado de defesa’ do governador no TC
Não satisfeito com o veto técnico da Procuradoria Geral do Estado (PGE) contra seu intuito de nomear seu próprio tio e deputado estadual Olavo Calheiros (PMDB) no cargo vitalício de conselheiro de contas, o governador Renan Filho (PMDB) acionou assessores para divulgar no último fim de semana um parecer de um jurista contendo o argumento adequado ao seu desejo: de que a vaga do Tribunal de Contas de Alagoas (TC/AL) não deve ser ocupada por um procurador do Ministério Público de Contas (MPC), mas por alguém de sua livre escolha.
A articulação política dos Calheiros é tão mal disfarçada que o jurista Fábio Ferrario – predileto do sobrinho esforçado do tio Olavo – é chamado de “advogado de defesa de Renan Filho” nos materiais de divulgação da tese, patrocinados pelo governador. A expressão é ato falho que depõe contra possíveis consequências da estratégia do filho do presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL).
Escalar um advogado para a defesa de uma tese jurídica seria natural, não houvesse o procurador-geral do Estado Francisco Malaquias como a autoridade apta a representar oficialmente o governador junto ao Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL), no mandado de segurança em que a Associação Nacional do Ministério Público de Contas (Ampcon) pede a nomeação de um dos nomes da lista tríplice de procuradores, oficialmente entregue a Renan Filho há mais de um ano.
O mandado de segurança está na pauta de votação do Pleno do TJ de Alagoas desta terça-feira (29). E a lógica divulgada pela tese do “advogado de defesa Renan Filho” é de que o conselheiro afastado Cícero Amélio teria sido nomeado erroneamente pelo Legislativo, quando a vaga era do MPC. Portanto, teria havido a “usurpação” da vaga do MPC pela Assembleia Legislativa do Estado (ALE).
“ARDIL"
Renan Filho não admite publicamente o esforço que faz em surdina para garantir a nomeação do tio Olavo, que já nem mais troca uma palavra com o sobrinho, de tanta insatisfação. Mas as mensagens difundidas no fim de semana foram claras: dizem que o governador escalou um “advogado de defesa” para confeccionar a tese que lhe mais agrada, depois de receber um “não” do órgão instituído para orientar o Estado pelos caminhos da justiça.
Para o procurador-geral do MPC/AL, Rafael Rodrigues de Alcântara, está claro que o governador Renan Filho tenta ultrapassar todos os limites para tomar para si a vaga que é constitucionalmente devida ao MP de Contas, reservada a um dos três procuradores de Contas concursados, Ênio Andrade Pimenta, Gustavo Henrique Albuquerque Santos e Rodrigo Siqueira Cavalcante, indicados na lista tríplice, como determina a Constituição Federal.
“Se não bastassem as ofensas diretas à Constituição Federal e à súmula do Supremo Tribunal Federal, o governador levanta alegação ardilosa para tentar atropelar uma decisão judicial sacramentada pelo próprio TJ/AL em 2004”, enfatizou Alcântara.
Veja a tese de Ferrario ilustrada em gráfico:
GRÁFICO CRIATIVO
O curioso dessa tese que afirma que um “erro” – da nomeação de Amélio – não poderia justificar outro – da nomeação de um procurador do MPC – é eleger como caminho “justo” a manutenção do Pleno da Corte de Contas de Alagoas sem nenhuma representação do MP de Contas, contrariando a Constituição.
Tal lógica que resultou na confecção do gráfico para ilustrar a tese chamada de “criativa” pelo MPC, na prática, contribui para prorrogar uma solução definitiva para o desequilíbrio de interesses e da representatividade na fiscalização e julgamento das contas públicas em Alagoas.
Sobre a tese da “defesa de Renan Filho”, o MPC publicou nota nesta segunda-feira (28), na qual afirma ser público e notório que, no Pleno do TC Alagoano, o único cargo que ainda falta em sua composição é o de origem do MPC. E cita decisão de 2004, que pacificaria a questão.
“Para tentar usurpar a vaga de conselheiro do TCE/AL devida ao MP de Contas, o governador Renan Filho afirma em sua defesa que houve um ‘erro’ no passado, na nomeação do conselheiro Otávio Lessa, sustentando que o atual presidente da Corte de Contas não teria ocupado a vaga ‘de livre’ escolha do governador. No entanto, Renan Filho omite que essa questão já foi enfrentada e superada pelo TJ/AL, por meio de decisão judicial transitada em julgado. Trata-se do Acórdão n. 1.923/2004”, diz a nota do MPC.
CRENÇA DO DEFENSOR
Competente, o jurista Fábio Ferrario tem chances de convencer o Tribunal de Justiça de Alagoas a manter o status de aberração atribuída durante anos à composição do Tribunal de Contas de Alagoas. Para tentar aclarar a relação do advogado com o tema e o processo que vai a julgamento nesta terça, o Diário do Poder fez as seguintes perguntas:
– Seu parecer está nos autos do mandado de segurança que será julgado nesta terça?
Eu não sei. Não sei se está nos autos. Se alguém anexou. Porque não funciono nos autos. Mas creio que devem ter juntado. Eu, se fosse advogado, juntaria. Até porque a Procuradoria [PGE] evoluiu o entendimento dela com base nesse parecer.
– A PGE já tinha se posicionado contrariamente a esse seu entendimento. E é o próprio procurador-geral do Estado, Francisco Malaquias que tem a competência para atuar nessa matéria…
Acho que, quando ele viu esse parecer, quando teve esse estudo que fui buscar desde a fundação do Tribunal [de Contas], creio que ele evoluiu no entendimento dele. E já se manifesta favorável.
– O senhor crê porque conversou com ele, ou porque tem esse entendimento…?
Não, porque parece que hoje parece que ele já está defendendo essa tese, né?
– O senhor recebeu pagamento pela elaboração desse parecer? Quanto foi? Houve custo para o Estado?
Não, não, não. Esse parecer foi encomendado por um deputado, à época, Marcos Barbosa. Está no preâmbulo.
– O senhor é chamado de advogado de defesa de Renan Filho nas matérias sobre esse caso. Defende o governador de quê?
Não. Isso não existe, não. O advogado do governador, nesse caso, é a Procuradoria (PGE). Apenas dei um parecer. E não foi a pedido do governo. Foi a pedido de um deputado que tinha interesse no assunto.
NADA MUDOU
Em junho de 2015, quando o governador ainda dizia que nomearia dos integrantes da lista tríplice, o procurador-geral do Estado Francisco Malaquias publicou o seguinte parecer: "Nos termos da atual composição do Tribunal de Contas descrita na certidão de fls 22, e de confirmação do TCE/AL reconhecida judicialmente pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 717.424 (fls.23/70), e obedecendo-se a ordem de escolha preconizada no art. 95, inciso II, da Constituição do Estado de Alagoas, a indicação do novel Conselheiro para ocupar a vaga é da competência do Governador do Estado, dentre os representantes do Ministério Público de Contas”.
Na manhã desta segunda-feira (28), por meio da assessoria de comunicação do governador, o Diário do Poder questionou se Renan Filho realmente articulou a divulgação da tese na véspera do julgamento do mandado de segurança, para difundir a tese e garantir a nomeação de seu indicado.
E à assessoria da PGE foi questionado se Francisco Malaquias havia adotado a referida tese que daria ao governador o poder de indicar o futuro conselheiro do TC, por escolha própria. As respostas serão divulgadas, assim que foram recebidas