Shopping doa tablets para policiais militares em troca de segurança
Acordo entre PM e shopping garante regalias aos policiais
Um comunicado que começou a circular esta semana no shopping CasaPark, na Epia Sul, está causando discussão entre lojistas. O documento, assinado pelo superintendente do empreendimento, Iran Valença, explica o "relacionamento" entre o local e a Polícia Militar do DF, mais especificamente com o batalhão do Guará, que cuida da região.
"Conforme notório conhecimento dos efeitos negativos da insegurança para as pessoas e as empresas, tomamos a iniciativa de trazer para a intimidade do CasaPark a convivência com os policiais militares, a fim de que possamos manter a nossa eficiente segurança preventiva", diz um trecho do documento enviado aos lojistas e à diretoria.
No papel, o responsável pelo shopping informa duas medidas realizadas para ter a presença dos policiais por perto: doação de dez tablets para o 4º batalhão e desconto de 50% nos restaurantes do shopping para os PMs que estiverem fardados.
"Dar desconto em restaurantes eu acho tudo bem, mas precisa doar tablets? A gente já paga imposto o suficiente para ter segurança e não tem. Parece que estamos pagando de novo, por fora", comentou uma comerciante à reportagem, que preferiu não se identificar.
Iran Valença, o superintendente, cita inclusive o nome do tenente-coronel André Luiz, comandante do batalhão, com quem, segundo o comunicado, a administração do shopping estaria “mantendo um relacionamento institucional mais próximo e familiar”.
Questionado sobre os presentes e a falta de segurança na região, o Comando da Polícia Militar do DF informou que 'a princípio não existe nenhuma irregularidade nas doações dos tablets. No entanto, o setor jurídico da PMDF irá analisar o amparo legal e as informações serão repassadas o mais breve possível'. A Direção do CasaPark preferiu não se pronunciar sobre os presentes.
Segurança privatizada
Para o delegado da Polícia Federal Jorge Pontes, ex-diretor da Interpol e atualmente consultor em segurança pública, essa situação é ‘uma forma de privatizar a segurança às custas do contribuinte’. “O shopping entra com um tablet e atrai o policial que é mantido por todos nós. Até aí parece que não há muito problema. Mas e quanto aos estabelecimentos que não doarem nada, receberão a mesma atenção? Quando você remunera desta forma o policial, você pode estar provocando um deslocamento da atenção da polícia. O foco no shopping acaba ocorrendo em razão de um tablet, e não em razão da utilidade pública ou de alguma mancha criminal que autorize esse foco”, avaliou.
'Tem que olhar o outro lado'
Para o advogado criminalista Ivan Morais Ribeiro, é necessário olhar também o lado do policial, que, segundo ele, muitas vezes é tratado com suspeita. No entanto, ele critica privilégios em troca de ganhos. "A gente também tem que olhar o outro lado, dos policiais. Muitas vezes são tratados como bandidos. Não se pode ver uma viatura em frente a um comércio e acham que o policial está lá para almoçar de graça, conseguir as coisas de graça. Muitas vezes o policial tem que levar o computador de casa para trabalhar, se virar para custear, muitas vezes, um serviço do próprio bolso. Tem os dois lados dessa história. Lembrando, o poder de polícia é praticado de modo geral. Ele é pago por meio do imposto, um tributo de caráter geral. Não se pode privilegiar determinada população, localidade, por causa de ganhos terceiros. Não se pode comprar a polícia", disse.