Progressão ilegal

Servidores da Câmara de Maceió tentam se aposentar com salários inflados até dez vezes

Salários de parentes da elite política maceioense devem ser reduzidos para os de cargos iniciais

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Plenário da Câmara de Vereadores de Maceió. Foto: Ascom CMM

O nível de tensão entre vereadores, ex-gestores da Câmara de Maceió e autoridades de órgãos de controle foi intensificado nas últimas semanas pela análise meticulosa de 20 pedidos de aposentadorias formalizados por servidores do Legislativo da capital alagoana. O motivo vai além das incertezas da tramitação da Reforma da Previdência no Congresso Nacional e de uma ação judicial do Ministério Público de Alagoas que envolve servidores transformados em procuradores sem concurso público. A preocupação maior é com a inevitável exposição de progressões de cargos e salários sem base legal, que forjaram aumentos salariais de até 10 vezes, em relação aos valores recebidos inicialmente nos cargos ocupados por familiares da elite política maceioense.

Sem provas da legalidade de progressões salariais viabilizadas por atos “secretos” de ex-gestores da Mesa Diretora da Câmara, os pedidos de aposentadoria de servidores que recebem de R$ 3,5 mil a R$ 35 mil mensais podem reduzir drasticamente os ganhos dos familiares de vereadores, ex-vereadores e de outras autoridades.

A intensidade do debate nos bastidores ficou evidente depois que a vereadora Silvânia Barbosa (PRTB) levou o caso à tribuna da Câmara, no início de agosto, criticando interpretações do Instituto de Previdência dos Servidores Públicos de Maceió (Iprev) e saindo em defesa do que acha ser direito dos servidores: Aposentarem-se com os salários integrais forjados sem base legal, por terem recolhido contribuições previdenciárias com base nos vencimentos atuais.

Desde então, várias reuniões entre os clãs interessados em preservar seus afilhados têm ocorrido nos bastidores. E uma preocupação é ponto comum a todos os encontros: Os riscos de os servidores prejudicados responsabilizarem os autores das medidas consideradas ilegais e “caírem atirando”.

Os processos com as irregularidades foram enviados pelo Iprev para a Procuradoria Geral do Município (PGM). E o caso já chegou ao conhecimento da Fazenda Pública Municipal do MP de Alagoas, que pode abrir uma investigação a partir das informações que a PGM analisa.

As mudanças de cargos e salários ignoram não apenas a necessidade de concurso público, mas o grau de instrução superior necessário para, por exemplo, exercer a função de procurador jurídico. Há casos de uma pessoa ter entrado no serviço público da Câmara de Maceió, na década de 1990, no cargo de agente administrativo e, na década seguinte, passar a ocupar cargo de procurador, apenas por ato da Mesa Diretora.

A vereadora Silvânia leu e não respondeu ao questionamento do Diário do Poder sobre qual solução legal que ela defende para os servidores.

Elite intocável?

As autoridades envolvidas não demonstram disposição para enfrentar, por iniciativa própria, a elite política da capital alagoana. Até agora, não há empenho das autoridades para dar o talvez inevitável fim trágico às práticas que explicam o domínio histórico de clãs políticos em Maceió. Mas os órgãos de controle devem ter que atuar para preservar os cofres da Câmara de Maceió, que ainda sangram o dinheiro do contribuinte através dos salários generosos concedidos graciosa e ilegalmente por padrinhos políticos dos bem nascidos de Alagoas.

Contando com os 20 servidores que têm pedidos de aposentadorias sob análise, outros cerca de 70 servidores seguem em situação irregular semelhante, aguardando o momento ideal de também pedir para se aposentar, na esperança de manter os vencimentos atuais. O medo de redução dos vencimentos é o que faz o problema não ser maior. E há servidor sendo aconselhado a tentar desistir dos pedidos de aposentadorias.

A resistência da classe política e dos órgãos de controle em atuar pode ter relação com os sobrenomes listados entre os servidores beneficiados pela mudança ilegal de cargos, muitos deles comuns à elite presente em todas as esferas dos três poderes, na capital e no estado de Alagoas.

Promotor de Justiça Marcus Rômulo. Foto: Ascom MPAL

Ação contesta procuradores

Em 2016, promotores de Justiça da Fazenda Pública Municipal do MP de Alagoas ingressou com ação civil pública pedindo a declaração de nulidade das nomeações de sete procuradores da Câmara de Maceió. A ação não questiona aposentadorias, mas o desdobramento do caso pode atingi-las, se for confirmado como ilegal o ingresso dos seguintes procuradores nos cargos: Paulo Roberto Gomes Amaral, Aldo Fontan Silva, Farah Lins Quintela Cavalcanti, Glaucia Lima de Omena, Eliane Brasil Paranhos, José Cícero Dantas da Costa e Josefa Martins Malafaia.

“Eles alegam que fizeram concurso interno, mas não tem nada publicado na imprensa oficial. Não encontrei nenhuma evidência de concurso interno. Aliás, concurso interno é inconstitucional. Mas ainda que tivessem argumentado que fizeram concurso de boa-fé, haveria alguma evidência de existência dele. Não há nada. Edital, local e data das provas”, disse o promotor Marcus Rômulo ao Diário do Poder, sobre o processo que tramita sob o nº 0800325-49.2016.8.02.0001, na 14ª Vara Cível da Capital.

Nesta ação, a Câmara chegou a juntar uma certidão do Corpo de Bombeiros sobre um incêndio que ocorreu lá há alguns anos, para alegar ausência de provas das nomeações, que são anteriores a 2006. “No entanto, alguma evidência haveria de ter no Diário Oficial. Para se ter uma ideia. Nem a portaria de nomeação deles foi publicado no diário oficial”, disse o promotor.

Em 2017, o juiz Antonio Emanuel Dória Ferreira declarou-se suspeito para julgar o processo. E a possibilidade de o Tribunal de Contas do Estado de Alagoas (TCE/AL) ter confirmado atos de aposentadoria dos procuradores pode levar o caso à instância superior, no qual o procurador-geral de Justiça Alfredo Gaspar de Mendonça Neto terá que atuar.

O processo não está em segredo de justiça. Mas não é possível acessar os autos da ação, sem ter uma senha do processo, no sistema de consulta do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL).

MPC quer nomes

O Ministério Público de Contas de Alagoas (MPC/AL) é o órgão que, desde 2011, é responsável por analisar as aposentadorias de servidores estaduais e municipais, e por enviar parecer para o TCE julgar. E enviou a seguinte nota, ao ser questionada sobre o assunto pelo Diário do Poder:

O Ministério Público de Contas vem acompanhando o caso dessas aposentadorias referentes aos servidores da Câmara de Vereadores de Maceió pela imprensa, uma vez que o processo desses 20 servidores que estão na eminência de aposentar-se não chegou ao MP de Contas. Ressaltamos que todos os atos de aposentadoria, bem como de ingresso na administração pública, devem ser submetidos aos Tribunal de Contas, com tramitação para análise e parecer do Parquet de Contas.

Quanto às aposentadorias antigas questionadas pela reportagem, o MP de Contas só poderá se manifestar após divulgação ou denúncia apontando os nomes dos beneficiários para que assim, possamos localizar os respectivos processos e nos inteirarmos caso a caso.

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