Sem verbas, nem gestão

MPF entra com ação contra a União por abandonar Cinemateca prometida a Regina

Instituição não recebe verbas desde janeiro, e corre o risco de ter acervo destruído

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O Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação para que a União viabilize a gestão e a preservação da Cinemateca Brasileira, diretamente ou por meio de entidade privada, destinando ao órgão o orçamento já previsto para 2020, de R$ 12,2 milhões. O MPF denuncia que, desde o fim do ano passado, a instituição localizada na capital paulista está abandonada pelo governo federal, mesmo depois da promessa do presidente Jair Bolsonaro de entregar sua gestão à atriz Regina Duarte, ao exonerá-la do comando da Secretaria Especial de Cultura.

Segundo o MPF, a Cinemateca não recebe nenhuma ajuda financeira, depois que o contrato de gestão com a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp) se encerrou e não foi renovado, por decisão do Ministério da Educação. O que tem colocado em risco obras audiovisuais de valor incalculável.

O MPF pede liminar para que o contrato com a Acerp seja mantido emergencialmente por um ano, a contar (retroativamente) de 1º de janeiro de 2020, considerando que a sua não renovação contrariou recomendações técnicas da própria administração federal. A ação pede ainda que, neste intervalo, a União fique impedida de suspender unilateralmente a parceria sem autorização da Justiça

Durante tratativas em 2019, a associação externou o interesse em continuar à frente da Cinemateca, ao mesmo tempo em que todos os órgãos técnicos do governo que analisaram a questão (na Secretaria Especial de Cultura e nos Ministérios da Economia e da Cidadania) se manifestaram favoravelmente à manutenção da parceria até então vigente.

Contudo, em dezembro, às vésperas de se encerrar o contrato de gestão, o MEC decidiu, de forma unilateral e sem motivo juridicamente admissível, não renovar o documento. A pasta, então ocupada por Abraham Weintraub, era à época a responsável pela contratação, uma vez que a outorga da administração da Cinemateca à Acerp, em 2018, se deu na forma de um termo aditivo de um contrato já existente entre o MEC e a associação.

A própria Secretaria Especial de Cultura informou que foi surpreendida pela interrupção da parceria e a consequente indefinição sobre a gestão da Cinemateca. Para o MPF, houve evidente desvio de finalidade na postura adotada pelo MEC, fruto da resistência político-ideológica do então titular Abraham Weintraub.

“É extremamente provável que o único motivo do Ministério da Educação para contrariar os próprios órgãos técnicos federais seria a resistência ideológica, à custa da deterioração do material custodiado pela Cinemateca e do risco crescente de sua destruição”, enfatiza o procurador da República Gustavo Torres Soares, autor da petição.

A Acerp, sem qualquer ajuda financeira da União, vem mantendo, com muita dificuldade, a gestão da órgão, para evitar a destruição e o perdimento do seu acervo.

Patrimônio histórico-cultural audiovisual do povo brasileiro, a Cinemateca tem como uma de suas funções preservar o registro e a memória do cinema nacional. O órgão possui hoje o maior acervo audiovisual-cinematográfico da América do Sul, com cerca de 250 mil rolos de filmes e mais de um milhão de documentos relacionados ao cinema, como fotos, roteiros, cartazes e livros. Além disso, a instituição funciona como espaço de lazer, turismo, convivência, educação e profusão de cultura em geral.

Cinemateca Brasileira, em São Paulo. Foto: Pedro Gomes/TV Brasil

Risco iminente

A falta de verbas tem resultado em uma série de problemas graves. A instituição já possui quatro faturas de energia elétrica em atraso e também não tem dinheiro para arcar com os pagamentos devidos a diversas empresas terceirizadas. Por conta disso, os serviços de segurança, de brigada de incêndio e de manutenção do sistema de refrigeração já estão suspensos. A situação é preocupante já que a Cinemateca pode perder ou ver danificado todo o seu acervo caso ocorra um corte de energia ou uma falha no ar condicionado.

Os filmes em nitrato de celulose lá armazenados, altamente inflamáveis, podem entrar em combustão espontânea e ocasionar um incêndio, por exemplo. Ao longo de sua história, a instituição sofreu, no mínimo, quatro incêndios, sendo o mais recente em 2016, quando várias obras audiovisuais foram perdidas para sempre.

“O conteúdo informacional ali custodiado pode ser perdido completamente pela falta de operacionalização técnica e correto acondicionamento, além da possibilidade de furto e depredação do patrimônio público devido à falta de serviços de segurança e limpeza nas dependências da Cinemateca”, alerta Gustavo Soares.

O membro do MPF destaca ainda que a asfixia financeira imposta ao órgão pela União tem sido agravada pelo vaivém de agentes e órgãos públicos que deveriam cuidar da Cinemateca. A instituição é vinculada à Secretaria Nacional do Audiovisual, a qual, sob o governo de Jair Bolsonaro, já migrou do extinto Ministério da Cultura para a pasta da Cidadania e, depois, foi realocada no Ministério do Turismo, “tudo sem maior justificativa técnica para a sociedade civil, nem perceptível aderência temática do órgão aos ministérios receptores”.

À instabilidade e desestruturação administrativa somam-se as recentes exonerações do secretário Nacional do Audiovisual e do secretário Nacional do Desenvolvimento Cultural, em plena crise da Cinemateca. Questionada sobre o abandono financeiro do órgão, a União limitou-se a dizer que a questão foi encaminhada ao (há pouco empossado) Secretário Especial de Cultura, sem dar nenhuma previsão para a resolução da urgência.

Pedidos

Caso não seja possível a renovação contratual com a Acerp, ou mesmo a contratação emergencial de outra entidade privada, a ação pede que a União providencie diretamente a administração e a preservação da Cinemateca, por meio da Secretaria Especial de Cultura.

Os pedidos incluem ainda a (re)estruturação, a manutenção e o empoderamento do Conselho Consultivo da Cinemateca, com direitos de nomear diretoria e opinar sobre toda a vida daquele acervo patrimonial, bem como de se manifestar previamente em relação a eventual suspensão de contrato de gestão em vigor.

Ao fim, o MPF requer também que a Justiça determine a permanência do corpo técnico especializado que compõe a instituição ou, no mínimo, que seja garantida a transmissão de seu conhecimento, mediante a convivência laboral ou por meio de cursos de capacitação para os eventuais novos funcionários.

Leia a íntegra da ação que tramita na 1ª Vara Federal Cível da capital paulista, sob número do processo é 5012832-90.2020.4.03.610000. Para consultar a tramitação, acesse o site da Justiça Federal. (Com informações da Assessoria de Comunicação da Procuradoria da República no Estado de São Paulo)

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