Renova é pressionada a cumprir decisões e manter auxílio por desastre em Mariana
Fundação obriga vítimas a abrir mão de auxílio, para poder liberar indenização prevista pela Justiça
O Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) e as Defensorias Públicas da União (DPU), do Estado do Espírito Santo e de Minas Gerais, protocolaram, no último dia 5, pedido de cumprimento de sentença, com tutela de urgência, contra a Fundação Renova, entidade criada a partir de acordo firmado em 2016 pelas empresas Samarco, Vale e BHP Billiton com os governos federal e dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo. As instituições pedem que, sob pena de multa diária, a fundação seja obrigada a deixar de exigir que vítimas do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em 2016, abram mão do auxílio financeiro emergencial, para poder receber indenização prevista pela Justiça.
Segundo os órgãos ministeriais e as defensorias, o fim do pagamento do chamado Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) presente e futuro, é exigido na plataforma online da Fundação Renova, como pré-requisito para a adesão à matriz de danos arbitrada pela Justiça e à assinatura de termo de quitação integral e definitiva.
Também foi pedido que a Fundação Renova, sob pena de multa diária, restabeleça o pagamento (presente e futuro) do AFE àqueles que já aderiram ao novo sistema indenizatório nos diversos municípios/distritos. Foi pedido ainda que a Renova realize o pagamento retroativo e atualizado dos valores relativos ao auxílio devido aos aderentes da matriz de danos estabelecida pelo Juízo, os quais, em decorrência da manifestação de anuência, via plataforma online da fundação, tenham tido seus auxílios financeiros cancelados ou cessados.
Por fim, os Ministérios Públicos e Defensorias Públicas requerem ao Juízo que determine à Fundação Renova que apresente informações sobre os aderentes às matrizes de danos arbitradas, esclarecendo desde quando deixou de ser pago o respectivo AFE, com detalhamento do valor parcial (relativo a cada aderente) e total (relativo à soma de todos os aderentes em cada município/distrito) que deixou de pagar.
Na petição enviada ao juiz substituto da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte (MG), as instituições de Justiça informam que em todos os municípios/distritos para os quais foi definida matriz de danos pelo Juízo, visando à quitação de indenizações por danos morais e/ou materiais, a Fundação Renova está encerrando o pagamento do AFE quanto às pessoas atingidas que estão aderindo a essa matriz indenizatória.
Ilegalidade
Segundo o documento, o abuso é cometido quando a pessoa, ao acessar a plataforma online disponibilizada pela fundação, é obrigada a aceitar, no Termo de Quitação Integral e Definitiva que é condição da adesão, que não terá mais direito ao AFE. No documento também é informado que essa prática não tem sido combatida pelos advogados cuja presença foi exigida nas decisões judiciais para a adesão à plataforma da Renova.
As instituições de Justiça esclarecem que os temas da indenização e do AFE dizem respeito a eixos temáticos distintos. Enquanto as indenizações pertencem ao âmbito de organização social, o pagamento de AFE refere-se à manutenção econômica. São, assim, obrigações distintas e, inclusive, tratadas em programas igualmente diversos.
“Verifica-se, portanto, que, segundo cláusulas do TTAC, não se pode confundir o AFE, que é um programa do eixo econômico, com as verbas indenizatórias decorrentes de danos individuais, materiais e/ou morais provocados pelo desastre ambiental, que se inserem em programa do eixo social”, escreveram no documento. Isso porque as verbas relativas ao AFE diferenciam-se daquelas destinadas a indenizar as pessoas atingidas por danos materiais e/ou morais, incluindo lucros cessantes.
As instituições de Justiça lembram que a única forma de interromper o AFE é por meio do restabelecimento das condições originárias para o exercício das atividades produtivas e/ou econômicas, o que ainda não ocorreu.
Decisões
Além disso, os Ministérios Públicos e as Defensorias Públicas reforçam que, além do TTAC e das deliberações do Comitê Interfederativo, a questão está pacificada em decisões proferidas pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que já confirmou que o AFE não tem natureza indenizatória, tratando-se de direito indisponível e inegociável, de modo que não pode ser deduzido de eventuais verbas indenizatórias quitadas pela Fundação Renova ou pelas empresas poluidoras (Samarco, Vale e BHP), inclusive lucros cessantes.
Além disso, em decisão recente, o próprio Juízo da 12ª Vara Federal já deixou claro que a matriz de danos por ele estabelecida – a ser executada após adesão por meio de acesso à plataforma online criada e disponibilizada pela Fundação Renova – abrange apenas indenizações, não se confundindo com o AFE, de modo que não resultaria no cancelamento do pagamento das respectivas verbas.
“Constata-se, assim, que a ilegal inclusão do AFE no termo de quitação integral e definitiva do novo modelo indenizatório, como efetivado pela Fundação Renova, representa comportamento contraditório, ilegal e ofensivo a decisões judiciais que trataram do tema, gerando potenciais danos irreversíveis à população atingida, em uma manobra que visa, arbitrária e unilateralmente, eximir-se de suas obrigações”, escreveram os procuradores da República, promotores de Justiça e defensores públicos. (Com informações da Assessoria de Comunicação Social do MPF em Minas Gerais)