Violência na pandemia

ONU quer fim de ‘ciclo vicioso de violência letal’ em favelas, após ação com 25 mortes no Rio

Direitos Humanos da ONU quer apuração imparcial de operação policial no Jacarezinho

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Polícia Civil invadiu com blindado a favela do Jacarezinho em operação contra traficantes. Foto: Arquivo/Reprodução TV Globo

O porta-voz do Escritório da Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Rupert Colville, pediu nesta sexta-feira (7), em Genebra, que o Ministério Público realize uma investigação independente e imparcial sobre a operação policial que matou 25 pessoas, ontem (6), na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. A Polícia Civil, que perdeu um agente na ação que apreendeu armamento de grosso calibre, nega ter havido execuções, mas confronto contra criminosos.

Colville também pediu uma ampla e inclusiva discussão sobre o atual modelo de policiamento nas favelas brasileiras, comunidades que estariam presas em um “ciclo vicioso de violência letal” no Brasil.

As declarações dadas em coletiva de imprensa realizada em Genebra, Colville afirmou que a força letal deve ser usada como último recurso e somente nos casos em que haja uma ameaça iminente à vida ou de ferimentos graves.

“Esta parece ter sido a operação mais mortal em mais de uma década no Rio de Janeiro, e reforça uma tendência antiga de uso desnecessário e desproporcional da força pela polícia nos bairros pobres, marginalizados e predominantemente afro-brasileiros do Brasil, conhecidos como favelas”, disse Colville.

O representante da ONU para os Direitos Humanos ainda considerou perturbador o fato de a operação ter ocorrido, apesar de uma decisão de 2020 do Supremo Tribunal Federal restringir tais ações policiais nas favelas do Rio, durante a pandemia da Covid-19.

Confronto, sem execuções

A Polícia Civil negou que tenha havido casos de execuções entre os 24 suspeitos mortos no Complexo do Jacarezinho. Segundo delegados que participaram diretamente da operação, os suspeitos morreram em decorrência do confronto com os policiais. Na ação, foram apreendidas armas de grosso calibre, inclusive munição capaz de derrubar helicópteros.

Ainda de acordo com a Polícia Civil, o objetivo era combater grupos armados de traficantes de drogas que estariam aliciando crianças para o crime. Além disso, segundo as investigações, eles estavam envolvidos em outros crimes, incluindo sequestros de trens que passam pela comunidade.

Proposta de ocupação

O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (DEM), disse que vai conversar com o governador do estado, Cláudio Castro (PSC), sobre a possibilidade de ser feita uma ocupação permanente no Jacarezinho. “Não é admissível que, em frente da Cidade da Polícia, você tenha o poder paralelo comandando”, disse, durante a coletiva de divulgação do boletim epidemiológico da covid-19.

Para Paes, o resultado da operação de ontem é fruto de uma política de segurança pública inexistente. “A gente não pode achar que é normal, em qualquer lugar minimamente civilizado, que 25 pessoas – um agente de segurança pública e 24 cidadãos –, que podem ser eventualmente de fato criminosos, que isso aconteça”.

Leia a íntegra da declaração de Rupert Colville:

Estamos profundamente consternados com a morte de pelo menos 25 pessoas em uma operação policial no bairro de Jacarezinho, no Rio de Janeiro, ontem (6 de maio).

O incidente começou na madrugada de quinta-feira quando, segundo relatos, policiais no solo e em um helicóptero abriram fogo na vizinhança – em uma operação supostamente destinada a enfrentar membros de uma organização criminosa. Pelo menos 25 pessoas teriam sido mortas durante a operação, incluindo um policial. O número exato de pessoas feridas, incluindo transeuntes e pessoas dentro de suas casas, ainda é desconhecido.

Esta parece ter sido a operação mais mortal em mais de uma década no Rio de Janeiro, e reforça uma tendência antiga de uso desnecessário e desproporcional da força pela polícia nos bairros pobres, marginalizados e predominantemente afro-brasileiros do Brasil, conhecidos como favelas. 

É particularmente perturbador que a operação tenha ocorrido apesar de uma decisão do Supremo Tribunal Federal em 2020, restringindo as operações policiais nas favelas do Rio durante a pandemia da COVID-19.

Lembramos às autoridades brasileiras que o uso da força deve ser aplicado somente quando estritamente necessário, e que elas devem sempre respeitar os princípios de legalidade, precaução, necessidade e proporcionalidade. A força letal deve ser usada como último recurso e somente nos casos em que haja uma ameaça iminente à vida ou de ferimentos graves.

Recebemos relatos preocupantes de que, após os acontecimentos, a polícia não tomou medidas para preservar as provas no local, o que poderia dificultar as investigações sobre o resultado trágico desta operação letal. 

 Pedimos ao Ministério Público que realize uma investigação independente, completa e imparcial deste incidente, de acordo com as normas internacionais – em particular o Protocolo de Minnesota sobre a investigação de mortes potencialmente ilegais. Isto implica que as autoridades devem garantir a segurança e a proteção das testemunhas e protegê-las contra intimidações e retaliações.

Também instamos para que haja uma discussão ampla e inclusiva no Brasil sobre o atual modelo de policiamento nas favelas, que estão presas em um ciclo vicioso de violência letal, com um impacto dramaticamente crescente nas populações pobres e marginalizadas.

(Com informações da Agência Brasil e da ONU)

 

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