Desastre em Mariana

MPF pede que Justiça Federal retome ação penal da tragédia da Samarco em Minas

Processo está paralisado desde o ano passado, e MPF teme prescrição de crimes

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Área afetada pelo rompimento de barragem no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), em 2015. Foto: Antonio Cruz/ABr/Arquivo

O Ministério Público Federal (MPF), por meio dos procuradores da República que atuam no Caso Samarco, peticionaram ao Juízo Federal de Ponte Nova (MG) requerendo a designação, com a máxima urgência, de audiências para oitivas de todas as testemunhas que, domiciliadas no Brasil, foram arroladas pela defesa. A ação que busca justiça para a tragédia ocorrida há mais de cinco anos com o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), está parada desde o ano passado, quando irrompeu a pandemia da Covid-19, e o MPF teme que alguns dos crimes imputados aos réus sejam atingidos pela prescrição.

O problema apontado pelo MPF é que o processo, passados mais de cinco anos de sua instauração, não superou a fase instrutória: das 141 testemunhas arroladas pela defesa, apenas duas já foram ouvidas pelo Juízo.

A ação penal nº 2725-15.2016.4.01.3822 foi instaurada em decorrência do rompimento da barragem, em 5 de novembro de 2015, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG). Além de matar 19 pessoas, o mar de lama de rejeitos de minério causou aquele que é considerado o maior desastre socioambiental do Brasil e um dos maiores do mundo.

Na petição, os procuradores requerem que as oitivas sejam “realizadas por videoconferência, via plataforma Microsoft Teams, que é utilizada por toda a Justiça Federal da Primeira Região para a prática de atos processuais diversos, inclusive audiências de oitivas de testemunhas e interrogatório de réus, mesmo antes da edição da Resolução n. 337, de 30.09.2020, via da qual o CNJ [Conselho Nacional de Justiça] instou os Tribunais brasileiros a adotarem sistema de videoconferência para suas audiências e atos oficiais”.

Foi pedida também a continuidade do processo de cooperação internacional para oitiva das testemunhas que residem no exterior.

E a petição também menciona a Resolução nº 329/2020 do CNJ, que, ao tratar de atos processuais e de execução penal, estabeleceu critérios para a sua realização à luz da Constituição da República de 1988, do Código de Processo Penal, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

Para o MPF, conforme assegurou o CNJ, a realização virtual dos atos de instrução do processo em nada prejudicam as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório, e, na verdade, até garantem outros direitos constitucionais, como o da garantia de duração razoável do processo judicial.

A petição foi encaminhada ao Juízo Federal nessa segunda-feira, 8 de fevereiro.

Ruínas em Bento Rodrigues, distrito de Mariana (MG) atingido pelo rompimento da Barragem de Fundão, da Samarco. Foto: José Cruz/Agência Brasil/Arquivo

Enredo da impunidade

A Ação Penal nº 2725-15.2016.4.01.3822 foi instaurada em novembro de 2016, após o Juízo Federal de Ponte Nova (MG) receber integralmente a denúncia oferecida pelo MPF no dia 20 do mês anterior (outubro).

Na decisão, o magistrado considerou suficientemente demonstrados os indícios de autoria e materialidade e as empresas Samarco Mineração, Vale e BHP Billiton Brasil tonaram-se réus, cada uma, por 12 crimes ambientais (artigos 29, 33, 38, 38-A, 40, 49, 50, 54, 62, 68, 69 e 69-A da Lei 9.605/1998).

A VOGBr Recursos Hídricos e Gotecnia Ltda, responsável pela elaboração dos laudos de segurança da barragem, e seu engenheiro Samuel Santana Paes Loures, tornaram-se réus pelo crime de elaboração de laudo ambiental falso (artigo 69-A da Lei 9.605/1998), por terem emitido declaração enganosa sobre a estabilidade de Fundão.

Outras 21 pessoas físicas, além de responderem pelos mesmos crimes ambientais imputados às empresas, também tornaram-se rés, naquela ocasião, por homicídio doloso qualificado por motivo torpe, por meio insidioso ou cruel e por meio que tornou impossível a defesa das vítimas; por lesões corporais; por crime de inundação e por crime de desabamento ou desmoronamento.

Tais acusados eram Ricardo Vescovi Aragão [diretor-presidente da Samarco à época do rompimento]; Kleber Luiz de Mendonça Terra (diretor de Operações e Infraestrutura), Germano Silva Lopes, Wagner Milagres Alves e Daviely Rodrigues Silva (gerentes operacionais), Stephen Michael Potter, Gerd Peter Poppinga, Pedro José Rodrigues, Hélio Cabral Moreira, José Carlos Martins, Paulo Roberto Bandeira, Luciano Torres Sequeira, Maria Inês Gardonyi Carvalheiro, James John Wilson, Antonino Ottaviano, Margaret MC Mahon Beck, Jeffery Mark Zweig, Marcus Philip Randolph, Sérgio Consoli Fernandes, Guilherme Campos Ferreira e André Ferreira Gavinho Cardoso.

Posteriormente, dessas 21 pessoas físicas acusadas inicialmente, 15 foram excluídas da ação penal por decisões judiciais. Atualmente elas não respondem mais por NENHUM crime.

José Carlos Martins, Hélio Cabral, Margaret McMahon Beck, Jeffery Mark Zweig e Marcus Philip Randolph obtiveram o trancamento da ação penal por meio de habeas corpus concedidos pelo TRF-1 (quem atua perante o TRF é o MPF de segunda instância, no caso, a Procuradoria Regional da República da 1ª Região).

Outros 10 réus [Gerd Peter Poppinga, Stephen Michael Potter, Pedro José Rodrigues, Luciano Torres Sequeira, Maria Inês Gardonyi Carvalheiro, Sérgio Consoli Fernandes, André Ferreira Gavinho, Guilherme Campos Ferreira, James John Wilson e Antonino Ottaviano] foram beneficiados por decisões do Juízo Federal de Ponte Nova (o MPF recorreu dessas decisões e os recursos estão pendentes de julgamento no TRF-1).

Nenhum dos acusados que restaram na Ação Penal responde mais por crime de homicídio e lesões corporais. As 19 mortes resultantes do rompimento da barragem foram consideradas, pelo TRF-1, como consequência da inundação causada pelo rompimento. O crime de inundação tem pena de 6 a 12 anos em caso de ação dolosa (crime qualificado pelo resultado morte). Essa decisão do TRF1 é de abril de 2020 e já transitou em julgado.

Portanto, a ação prossegue somente em relação a Ricardo Vescovi de Aragão, Kleber Luiz de Mendonça Terra, Germano Silva Lopes, Wagner Milagres Alves e Daviely Rodrigues Silva, com relação aos crimes de inundação qualificada e desabamento e por 12 crimes ambientais (artigos 29, 33, 38, 38-A, 40, 49, 50, 54, 62, 68, 69 e 69-A da Lei 9.605/1998).

Também continuam rés na ação as empresas Samarco Mineração, Vale e BHP Billiton Brasil: Vale e Samarco respondem pelos mesmos 12 crimes ambientais; BHP, por nove deles (excluindo apenas os crimes dos artigos 68, 69 e 69-A).

Paulo Roberto Bandeira, representante da Vale na Governança da Samarco, responde pelo crime de deposição de lama da Vale na barragem de Fundão.

Samuel Paes Loures e a empresa VogBR continuam respondendo pelo crime de apresentação de laudo ambiental falso. (Com informações da Assessoria de Comunicação Social do MPF em Minas Gerais)

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