Energia

MPF investiga acerto de Aneel com empresa que gerou aumento bilionário na conta de luz

Eneva, ex-Eike Batista, não honrou contrato e Aneel cobrou do consumidor

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A termelétroca Eneva já se chamou MPX, quando pertenceu ao empresário corrupto Eike Batista.

O Ministério Público Federal abriu um inquérito para analisar um acordo firmado entre a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e a Eneva (ex-MPX, de Eike Batista), que pode ter provocado um aumento de bilhões na conta de luz dos consumidores.
O acordo -um TAC (Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta)- foi firmado no fim de 2014.
O motivo foi um atraso por parte da companhia para entregar uma usina termelétrica no Maranhão, que deveria ter ficado pronta no início daquele ano.
A usina havia sido contratada em 2011 por distribuidoras de todo o país, que firmaram contrato para comprar energia do futuro empreendimento, cujo custo era excepcionalmente baixo.
No entanto, em março de 2014, quando a usina deveria começar a entregar energia, ela não estava pronta.
As obras estavam praticamente concluídas, mas a Eneva não conseguiu garantir o fornecimento de gás natural necessário para a geração.
Pela regra, quando uma empresa atrasa a entrega de uma usina, é de sua responsabilidade arcar com os custos adicionais que as distribuidoras têm para substituir a energia.
Esses custos ocorrem porque as empresas precisam comprar energia de outras fontes, no chamado mercado de curto prazo -cujos preços são mais volúveis e variam mês a mês. Àquela época, esse preço estava altíssimo.
A Eneva, que pela regra deveria arcar com o custo, afirmou que não tinha condições e propôs o acordo -que adiou o prazo de entrega da usina de março de 2014 para julho de 2016.
Na prática, o atraso jogou a conta para as distribuidoras e, por consequência, à conta de luz dos consumidores.
Como contrapartida, a companhia teve de abrir mão de R$ 344 milhões de sua receita total, por via de descontos que seriam concedidos a partir de 2022 na tarifa. Ou seja, a empresa pagará, ao fim do contrato, R$ 344 milhões aos consumidores para compensar o atraso.
O impacto à conta de luz, porém, teria sido muito maior, segundo a petição que deu origem à investigação da procuradoria, ainda em curso.
Esse custo adicional foi de R$ 1,9 bilhão, segundo cálculo da Aneel, que somou o total gasto pelas distribuidoras no período e descontou o valor que teria sido pago à Eneva caso ela tivesse entregue o empreendimento no prazo.
O autor da petição que deu início às investigações é um consumidor residencial chamado Randus Dias da Fonseca –empresário, residente em Pinheiros (zona oeste de São Paulo).
Além de questionar o repasse à conta de luz, Fonseca diz que o TAC é ilegal.
Ele alega que os termos de ajuste têm como finalidade trocar uma multa por uma adequação da conduta dos agentes às disposições legais.
No caso do TAC com a Eneva, o acordo teria apenas eximido a empresa de suas obrigações, segundo ele.
O autor pede a anulação do TAC e que a Eneva arque com os custos repassados aos consumidores com o acordo.
Procurada, a Eneva afirmou que ainda não foi notificada sobre o inquérito.
A Aneel nega que o consumidor tenha sido prejudicado. Diz que, à época, traçou diversos cenários por meio de estudos técnicos e concluiu que a assinatura do TAC seria a opção mais econômica.
A agência argumenta que, apesar do R$ 1,9 bilhão repassado aos consumidores, o impacto seria ainda maior caso o acordo não fosse firmado e a empresa decidisse romper o contrato. Neste caso, uma nova usina teria de ser contratada, com um prazo de construção de mais três anos.
Além disso, afirma que, caso a agência optasse por cobrar o valor devido pela Eneva, a empresa provavelmente daria início a uma disputa judicial longa, que o órgão preferiu evitar.
Também destaca que a Procuradoria Federal, à época, opinou favoravelmente à formalização do TAC.
A Aneel também rebate a crítica de que o acordo seria ilegal: diz que ele cumpriu seu objetivo de ajustar a conduta da empresa, que, no caso, seria a própria geração da energia -o que ocorreu de fato, apesar do atraso de dois anos.
Um especialista do setor, que prefere não se identificar, avalia que a agência poderia ter feito uma negociação mais favorável ao consumidor e cobrado mais da companhia.
Segundo ele, a empresa dificilmente optaria por romper o contrato, porque, neste caso, teria de pagar uma multa e ressarcir as distribuidoras pelos meses de atraso, até a data da rescisão. Além disso, o investimento na usina já havia sido feito.
Outro especialista consultado pela reportagem afirma que, no processo, a Aneel correu um risco alto e expôs o consumidor de energia.
À época, o TAC fora aprovado por unanimidade pelos cinco diretores da Aneel. A relatoria do processo foi de André Pepitone, então diretor e atual diretor-geral da agência. (Folhapress)

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