Sucessão de negligências

MPF denuncia sete médicos por morte de menino de 13 anos em Uberlândia (MG)

Quatro profissionais da Prefeitura e três do Hospital das Clínicas são acusados de negligência

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O Ministério Público Federal (MPF) denunciou sete médicos de Uberlândia (MG) por crime de homicídio culposo, em que foi vítima um menino de 13 anos de idade, em 14 de março. A vítima apresentava fortes dores de cabeça e vômitos constantes, quando deu entrada Unidade de Atendimento Integrado (UAI), no bairro Luizote, levado pelo seu pai. Quatro acusados prestavam serviço à Regulação Municipal do SUS, e três ao Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU).

O quadro apresentado pelo paciente G.C.G.P. decorria de obstrução numa válvula ventrículo-peritoneal que fora instalada em sua cabeça, em razão de uma meningite bacteriana, quando ele tinha apenas oito meses de vida.

A vítima precisava ser submetida, com urgência, a um procedimento de desobstrução dessa válvula, sob risco de lesão cerebral permanente e até de morte, conforme diagnóstico dado pelo neurologista particular que o acompanhava, o qual ainda disse ao pai que, após entrada na UAI, o paciente, com certeza, seria de imediato encaminhado ao HC-UFU.

Mas não foi o que aconteceu. A denúncia relata, em pormenores, a sucessão de atos negligentes e omissos dos vários médicos que tiveram contato com o paciente, que, sem receber o tratamento devido, acabou tendo morte cerebral na madrugada do dia 15 de março, dia seguinte à procura por atendimento.

As omissões e negligências

Segundo a denúncia do MPF, adolescente deu entrada na UAI às 7h10 do dia 14, mas só foi receber atendimento às 8h34, quando foi encaminhado para a enfermaria. Às 10h27, a médica da enfermaria, constatando a urgência do caso, anotou a necessidade de transferência imediata para o HC-UFU.

Nesse horário, estava de plantão a denunciada identificada como C.E.J., que exercia as funções de médica reguladora e, ao receber o SUS-Fácil com as especificações do caso, apesar de perceber que o caso era de extrema urgência, não determinou a transferência do paciente para a UFU na “vaga zero” (destinada a esse tipo de emergência), limitando-se apenas a executar uma solicitação normal de transferência.

“Esse pedido, formulado às 10h27, foi endereçado à pessoa do médico plantonista da UFU, R.G.H., que, negligentemente, não se dignou a dar qualquer resposta”, e deixou o plantão, sem ao menos designar um substituto, relata a denúncia, divulgada sem revelar os nomes dos profissionais.

O pedido das 10h27 somente foi respondido às 15h12, já pelo médico D.A.J., que, por sua vez, emitiu uma resposta padrão, sem analisar as informações técnicas do caso, e negando a transferência por falta de vaga, “a despeito de ter sido orientado por uma residente que deveria receber de imediato o paciente”.

O próximo profissional a negligenciar a grave condição do paciente foi a médica S.S.J.D.P., responsável pela regulação municipal, que às 12h25, recebeu mensagem de uma médica, com pedido de ajuda para agilizar a transferência do jovem, mas nada fez, mesma atitude omissa e negligente da médica reguladora do período das 13 às 19 horas, M.R.S.A..

Somente às oito e meia da noite, o menino foi levado ao Hospital Municipal para uma tomografia, que confirmou a obstrução da válvula intracraniana. Mas ao invés de ser encaminhado imediatamente ao HC-UFU, o jovem foi, uma hora depois, novamente devolvido para a Uai-Luizote.

E, de novo, ao invés de ser providenciada sua transferência em caráter de urgência, nova solicitação só foi feita pelo médico J.T.R.L. a 1h27 do dia 15, mas sem qualquer aviso de prioridade zero para o paciente.

“Ou seja, esse médico, que estava de plantão desde as 19 horas do dia 14 de março, e que também tinha o dever legal de encaminhar o paciente em vaga zero para a UFU, mesmo tendo ciência do resultado da tomografia por volta das 21 horas, somente tomou a iniciativa de pedir transferência às 01h27 do dia 15. Outrossim, nada fez para transferir o paciente, mesmo não tendo resposta do médico plantonista da UFU, nesse período, A.B., que deveria estar de plantão e que, de fato, não estava, uma vez que sequer respondeu à solicitação da regulação municipal”, descreve o MPF.

A solicitação de transferência só foi respondida às 7h16 da manhã do dia 15 por outro médico plantonista, R.G.H., que, perpetuando o comportamento negligente de todos os médicos que o antecederam, “simplesmente informou que não havia vaga, não tendo o menor cuidado de avaliar os dados clínicos do paciente”.

De toda forma, nesse momento, nada mais havia a ser feito: às 4h55 daquela madrugada, G.C.G.P. teve perda total da consciência, seguida de parada cardíaca e dilatação irreversível das pupilas.

Morte omitida

O quadro de morte encefálica, contudo, foi omitido dos pais, que continuavam em sua desesperada busca de atendimento para o filho, inclusive acionando o MPF para o ajuizamento urgente de uma ação para obtenção de liminar que determinasse a transferência para o HC. Quando a decisão judicial foi proferida, com a ordem de transferência, na tarde do dia 15 de março, o paciente já estava morto. “Suas pupilas estavam midriáticas desde 5 horas, tanto que na UFU nada foi feito, a não ser o Protocolo de Morte Encefálica, concluído no dia 20 de março”, registra a denúncia.

Para o MPF, “o indevido retardamento no tratamento do paciente foi a causa fundamental para o desfecho que culminou no evento morte, e os denunciados tinham pleno conhecimento de que a transferência tinha caráter emergencial, essencial para salvar sua vida”.

Suspensão condicional do processo

O crime de homicídio culposo tem pena prevista de um a três anos de prisão. No entanto, considerando que, em caso de condenação, os denunciados pegariam somente a pena mínima, fazendo jus à suspensão condicional do processo, o MPF propôs desde logo o benefício.

Se confirmada pelo Juízo, na prática, os sete médicos não terão que enfrentar um processo criminal, mas ficarão sujeitos a determinadas condições, entre elas, a impossibilidade de se ausentarem da comarca por período superior a 20 dias sem autorização judicial, o comparecimento em juízo a cada quatro meses e o depósito a cada mês, em conta judicial, durante os próximos três anos, de 10% da renda líquida mensal obtida por cada um dos denunciados. O processo tramita sob o nº 2051-89.2019.4.01.3803, na 2ª Vara Federal de Uberlândia. (Com informações da Ascom do MPF em Minas Gerais)

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