Drama desprezado

Ministro ignora tragédia geológica, ao visitar Maceió para tratar de óleo nas praias

Gustavo Canuto não foi ver áreas de risco em que milhares esperam por socorro

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Ministro do Desenvolvimento Regional Gustavo Canuto, na sede do governo de Alagoas. Foto: Thiago Sampaio/Agência Alagoas

O ministro do Desenvolvimento Regional Gustavo Canuto fez, nesta quarta-feira (23), a sua primeira visita a Alagoas, em dez meses no cargo. Focado no desastre ambiental do derramamento de petróleo no litoral nordestino, Canuto ignorou uma agenda fundamental e para a sobrevivência de milhares de vítimas da tragédia geológica com causa atribuída à mineradora Braskem, que levou instabilidade e danos a bairros de Maceió (AL).

Em solo alagoano, o auxiliar do presidente Jair Bolsonaro (PSL) perdeu a oportunidade de verificar pessoalmente o drama pessoal das vítimas e a dimensão do desastre que transformou trechos do principal bairro atingido em um cenário de cidade fantasma, com a evacuação de residenciais e imóveis condenados pela Defesa Civil.

Canuto também deixou de tratar de uma medida fundamental, esperada com maior apreensão há mais de cinco meses, desde que cientistas do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) expuseram em audiência pública os riscos para a vida de quem vive na região que teve registrados tremores de terra, em 2018, e afundamentos do solo e fissuras que desestabilizaram imóveis e vias nos bairros do Pinheiro, Bebedouro, Mutange e, mais recentemente, do Bom Parto.

O ministro que nunca visitou as áreas atingidas pela tragédia geológica em Maceió ocupou sua agenda com um encontro também importante sobre o óleo nas praias, com o governador Renan Filho (MDB). Mas apesar de tratar com autoridades da capital alagoana há meses, quase que diariamente, sobre providências para socorrer as vítimas do chamado Caso Pinheiro, Gustavo Canuto não procurou o prefeito Rui Palmeira (PSDB) para apresentá-lo, por terra ou pelo menos um sobrevoo, à região “minada” pelo desastre da mineração.

Gustavo Canuto não arrumou espaço na agenda para tratar das garantias que deu, há exatos 20 dias, para a remoção “urgente” de 740 das famílias que permanecem em risco de morrer nas encostas do bairro do Mutange e do Jardim Alagoas. E sua assessoria afirma que somente aguarda uma análise da Caixa para viabilizar a transferência da qual depende a sobrevivência de milhares de maceioenses.

Cansado de esperar pelo governo federal, o prefeito Rui Palmeira já ameaçou tomar uma atitude desesperada e realizar, por conta própria, a transferência das vítimas para os conjuntos habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida, indicados pelo ministério como destino das vítimas das áreas de maior risco. Mas tem ponderado, por saber que a atitude traria insegurança jurídica e instabilidade às vítimas que já vivem a apreensão de não saber onde viverão, após ter de abandonar a vida que construíram em suas casas.

No Palácio República dos Palmares, sede do governo de Alagoas, o ministro foi recebido pelo governador em encontro com prefeitos de municípios atingidos pelo óleo. E disse que o governo federal está a disposição para ajudar nas ações de prevenção para atender às cidades atingidas, com a aquisição de kits de equipamentos de proteção individual (EPI’s) para que quem está trabalhando na retirada do óleo esteja protegido. “Estamos visitando os estados para ouvir o que necessitam e analisar a possibilidade de decretos de emergência”, disse o ministro à imprensa.

Apesar de Maceió também ter sofrido com ocorrências de óleo nas praias, não houve convite ao prefeito Rui Palmeira para a agenda com o ministro.

CPRM atribui à Braskem afundamentos e rachaduras no solo em Maceió. Fotos: Márcio Ferreira/Agência Alagoas

Explicações 

Sobre a visita do ministro Gustavo Canuto a Alagoas, o Diário do Poder encaminhou questionamentos ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), para saber se em algum momento da agenda do ministro houve debate ou vistoria local sobre a tragédia do Caso Pinheiro. Veja as perguntas e respostas:

O ministro Gustavo Canuto, que nunca visitou as áreas atingidas pela tragédia geológica atribuída à Braskem, procurou o prefeito de Maceió ou alguma autoridade local, a fim de verificar in loco a dimensão dos riscos vividos pelos maceioenses? O ministro visitou as áreas de risco? Se não, qual motivo impediu a visita?  

O ministro Gustavo Canuto está na região Nordeste desde o início da semana cumprindo uma série de agendas voltadas ao apoio a regiões afetadas pelo derramamento de óleo no mar. Na segunda-feira (21), em Salvador, ele esteve com o governador da Bahia, Rui Costa; na terça(22), em Recife, com o governador de Pernambuco, Paulo Câmara; e hoje (23) de manhã em Maceió (AL), onde conversou com o governador Renan Filho. Agora à tarde está em Aracaju, também em reunião com o governador de Sergipe, Belivaldo Chagas.

[A assessoria citou releases do ministério que divulgaram a atuação do ministro no caso do petróleo: Óleo no Nordeste: Governo libera R$ 2,5 milhões para Sergipe e reconhece emergência na Bahia; Defesa Civil Nacional reconhece emergência em São José da Coroa Grande (PE) por óleo no mar]

Por que o MDR ainda não liberou as 740 casas reservadas às famílias atingidas, após o prefeito Rui Palmeira obter do ministro, em 3 de outubro, garantias para a remoção “urgente” das vítimas que vivem na encosta do bairro do Mutange e na encosta do Jardim Alagoas? Quando e quantas casas serão entregues, para que sejam feitas as remoções necessárias à proteção das vidas destas pessoas? 

Nos dias 7 e 8 de outubro, técnicos da Secretaria Nacional de Habitação (SNS) e da Defesa Civil Nacional – ambas ligadas ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) – foram até o município de Maceió para orientar a Prefeitura em relação aos trâmites para o atendimento, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, a moradores afetados pelo desastre nos bairros Pinheiro, Mutange e Bebedouro.

O Município encaminhou ao MDR, na última semana, uma listagem com a indicação de mudança de demanda para os contemplados pelas unidades habitacionais, atendendo, agora, famílias afetadas pelo desastre na região.

A documentação dos beneficiários será analisada pela Caixa Econômica Federal, operadora do Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Para serem atendidas, é necessário que se encaixem nos critérios de beneficiários do MCMV-Calamidades: renda familiar de até R$ 3,6 mil e não possuir outro imóvel além do afetado pelo desastre.

A previsão é reassentar 1.240 famílias nos empreendimentos do MCMV nos conjuntos Vale do Parnaíba (240 unidades habitacionais) e Vale Bentes I (500 UH)  e II (500 UH). Os dois primeiros residenciais já estão concluídos e as famílias poderão mudar assim que os trâmites administrativos estiverem concluídos. O Vale Bentes II está com 79% de execução.

O MDR esclarece, ainda, que a transferência de demanda se dará nos moldes da Portaria Interministerial n° 1, de 24 de julho de 2013, que dispõe sobre as diretrizes e procedimentos que atendem à demanda habitacional proveniente da situação de emergência ou de calamidade pública reconhecida pelo então Ministério da Integração Nacional, por meio do Programa Nacional de Habitação Urbana, integrante do MCMV.

Quando serão liberados mais recursos para garantir o aluguel social para que mais pessoas que vivem em risco possam deixar suas casas para locais seguros? 

O Ministério do Desenvolvimento Regional destinou, desde o início deste ano, R$ 29,7 milhões para ações de resposta nos bairros Pinheiro, Mutange e Bebedouro. Em 23 de setembro, por exemplo, foram repassados mais R$ 8,3 milhões ao município.

Além disso, há outros R$ 5,7 milhões já aprovados para serem utilizados no atendimento às famílias atingidas nessas localidades. O montante é liberado à cidade de Maceió de acordo com a atualização da lista de beneficiários, produzida pela Prefeitura local.

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