‘Licença-prêmio’ de 60 dias vai pagar R$ 67 milhões para juízes de Alagoas
ALE aprovou em 2ª discussão projeto de lei que prevê pagar mais de meio milhão em retroativos para 83 magistrados

Em um contexto de crise que ainda massacra alagoanos mais pobres com as consequências da pandemia, das últimas enchentes e das consequências globais da guerra na Ucrânia, a maioria da Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE) aprovou nesta terça-feira (16) o Projeto de Lei 792/2022 que autoriza pagamentos retroativos de até R$ 67 milhões em “licenças-prêmio” de 60 dias acumuladas por juízes e desembargadores alagoanos.
Além de garantir que magistrados possam ficar mais de quatro meses sem trabalhar, a cada três anos, a lei que segue para ser sancionada pelo governador-tampão Paulo Dantas (MDB) abre a possibilidade de pagar mais de meio milhão em retroativos para 83 magistrados, sendo mais de R$ 1 milhão para um desembargador, R$ 922 mil para outro, e seis juízes com direito a R$ 875,9 mil das tais “licenças-prêmio”. Ao todo, serão 152 magistrados beneficiados pela nova lei.
Somente dois dos deputados presentes à sessão votaram contra o projeto proposto pelo Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL) a pedido da Associação Alagoana de Magistrados (Almagis): Davi Maia (UB-AL) e Jó Pereira (PSDB-AL). A deputada tucana e candidata a vice-governadora na chapa do senador Rodrigo Cunha (UB-AL) afirmou já existir posicionamento no Supremo Tribunal Federal (STF) afirmando que a licença-prêmio aprovada hoje não está no rol de benefícios para juízes e desembargadores, delimitados pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman).
“Nós temos no Judiciário cerca de 20 dias de recesso por ano, férias de 60 dias. E, agora, com este Projeto de Lei, estaríamos aprovando mais 60 dias de férias, de três em três anos. Inclusive, com a possibilidade de venda com efeitos retroativos desde a posse de cada membro do Judiciário”, argumentou Jó Pereira, ao manifestar seu voto contrário.
O Diário do Poder enviou ao governador Paulo Dantas, que disputa a reeleição, questionamentos sobre como ele avalia o contexto social e econômico do Estado de Alagoas e se o quadro atual dá margem a este gasto público. E também perguntou se o governador deve sancionar a lei das “licenças-prêmio” para os magistrados alagoanos.
A reportagem recebeu a seguinte resposta através do secretário de Comunicação de Alagoas, Joaldo Cavalcante: “A matéria será remetida pelo Parlamento ao Poder Executivo e vai seguir, como de praxe, para análise da Procuradoria Geral do Estado, onde receberá parecer. Na sequência, vai ao Palacio, quando o governador se pronunciará”.
‘Prêmio’ milionário
O desembargador Pedro Augusto Mendonça de Araújo está no topo da lista de beneficiados, que consta na tabela anexada pelo TJAL ao projeto de lei, com previsão de receber R$ 1.063.866,60 por ter direito a 30 licenças-prêmio acumuladas em 15 triênios. Ele é seguido do desembargador Paulo Barros da Silva Lima, com 13 triênios e 26 licenças-prêmio que somam R$ 922.017,72.
Também há seis juízes com direito a R$ 875.916,86 em 26 licenças-prêmio retroativas, segundo o anexo que consta no projeto de lei. No mesmo documento público lido e avalizado por deputados estaduais, são listados 83 magistrados com direito a receber mais de meio milhão de reais, a partir da criação do privilégio negado ao restante da população alagoana e brasileira.
A proposta foi protocolada pela cúpula do Judiciário de Alagoas, em 21 de janeiro deste ano eleitoral de 2022, a menos de três meses da renúncia do ex-governador Renan Filho (MDB), que disputará uma vaga no Senado. E foi aprovado em 1ª discussão no dia 17 de maio, dois dias depois de o presidente do TJAL, desembargador Klever Loureiro, transmitir o comando interino do governo de Alagoas para o ex-deputado estadual Paulo Dantas, eleito governador-tampão pela maioria do Legislativo.
Justificativa
O benefício distante da realidade dos trabalhadores brasileiros foi justificada pelo TJAL com o argumento de que a Constituição Federal garante a competência dos tribunais para disciplinarem suas estruturas. E, ao assegurar que o pagamento não trará aumento de despesas não autorizado em lei, defende a medida como forma de “valorizar àqueles que possuam maior tempo de serviço, prestigiando os anos dedicados à prestação jurisdicional”.
A cúpula do Judiciário de Alagoas ainda afirma que os pagamentos serão analisados, anualmente, pela Presidência do TJAL. Avaliando-se, assim, dados de impacto financeiro, disponibilidade orçamentária, conveniência e oportunidade administrativa.
E a Diretoria Executiva da Almagis, que sugeriu a licença-prêmio, publicou nota em maio, defendendo ser jurídico e ético o cabimento do direito que buscaram. E disse que a licença-prêmio que propôs “é um benefício concedido há décadas a muitos servidores públicos federais, estaduais e municipais dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todo o Brasil”.
“Trata-se de um direito reconhecido pelo Conselho Nacional de Justiça por meio das Resoluções 14/2006 e 133/2011, bem como, por simetria constitucional entre a Magistratura e o Ministério Público, pela Lei Complementar Federal nº 75/1993 (há 29 anos) e pela Lei Complementar de Alagoas nº 15/96 (há 26 anos)”, argumenta a Almagis em um trecho da nota.
A Seccional Alagoana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-AL) considerou o projeto de lei das “licenças-prêmio” como inoportuno, por não refletir o anseio da sociedade.
“A OAB/AL respeita as reivindicações de aumento e vantagens remuneratórias de todas as categorias de classe, inclusive dos magistrados, no entanto, defende que as decisões no âmbito do Legislativo contemple a todos, sem distinção de classe, respeitando a autonomia que o referido poder tem de legislar. A sociedade clama por maior igualdade social, de renda e de oportunidades, e a OAB/AL estará sempre na vanguarda da defesa desses direitos”, diz a nota da Seccional Alagoana da OAB.