25 anos sem demarcar

Índios alagoanos apelam ao MPF contra MP 870 que exclui Funai de demarcações

11 etnias veem manobra para paralisar processos após 25 anos de espera

acessibilidade:
Índios alagoanos repudiaram MP 870 e política para latifundiários. Foto: Ascom MPF Alagoas

O Ministério Público Federal (MPF) no município de Arapiraca (AL) recebeu na última quinta-feira (17) um manifesto no qual lideranças de povos indígenas de 11 etnias alagoanas se posicionam com preocupação e repúdio em relação à Medida Provisória 870/2019. A MP transferiu da Funai para o Ministério da Agricultura a atribuição de identificar, delimitar, demarcar e registrar as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas.

Representantes das etnias alagoanas Aconã, de Traipu; Geripancó, Karuazú e Katoquim, de Pariconha; Kalankó, de Água Branca; Karapotó, de São Sebastião; Kariri-Xocó, de Porto Real do Colégio; Koiupanká, de Inhapi; Tingui-Botó, de Feira Grande; Xucuru-Kariri, de Palmeira dos Índios, e Wassu-Cocal, de Joaquim Gomes, entregaram ao procurador da República Bruno Lamenha documento que denuncia possível “manobra política para paralisar os processos já existentes de identificação e demarcação de terras indígenas, bem como que novos processos sejam iniciados”.

Representações semelhantes já foram entregues em diversas unidades do Ministério Público Federal pelo país e a mesma demanda já foi apresentada à Câmara de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6ª Câmara) em Brasília.

Marcos Sabaru, liderança da etnia Tingui-Botó e representante da APOINME (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste), manifestou sua preocupação com as mudanças implantadas pela MP, como a demarcação das terras pelo Ministério da Agricultura, que pode estar comprometido com interesses contrários à proteção dos povos indígenas, bem como, com o claro esvaziamento das atribuições da Funai (Fundação Nacional do Índio).

“Nos últimos 25 anos, não houve demarcação de nenhuma terra em Alagoas para os índios e preocupa-se que, com este novo cenário, a coisa se agrave”, destacou Sabaru. O líder explicou que a entrega do documento ao MPF marca um apelo dos povos indígenas alagoanos para que a instituição mantenha firme sua atuação quanto à demarcação de terras.

Política para latifundiários

O cacique Zezinho, do povo Koiupanká, falou em relação aos povos indígenas do sertão de Alagoas. “Até hoje, não teve nenhum centímetro de terra demarcada no sertão”. E afirmou que, “na maioria das vezes, a política indigenista é pensada a partir dos interesses dos latifundiários, sobretudo do sul do país”. O cacique explicou que a realidade dos povos indígenas do Nordeste é diferente da do Sul e do Norte. “Aqui [Alagoas], a demanda por terra é muito menor, deveria ser mais fácil de resolver”.

O antropólogo do MPF Ivan Farias também participou da reunião, e registrou a importância de que os povos indígenas de Alagoas permaneçam unidos em torno de questões de interesse comum, dentre as quais, destacou a questão da terra.

O procurador da República Bruno Lamenha, titular de ofício que trata das questões relacionadas aos indígenas na área de atuação da PRM-Arapiraca, ressaltou que “a missão constitucional do Ministério Público Federal na defesa dos direitos coletivos indígenas não se altera independentemente do governo que esteja chefiando o Poder Executivo nacional”.

Para o procurador é importante avaliar com cuidado se as mudanças não violam direitos assegurados, sobretudo, por tratados internacionais de que o Brasil é signatário, como a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que assegura aos povos indígenas o direito de consulta em relação a qualquer questão administrativa ou política pública que os afete.

Sobre a demarcação de terras indígenas em Alagoas, Bruno Lamenha comentou os casos que vem acompanhando: “Os processos mais adiantados são os dos Kariri-Xocó e Xucuru-Kariri, que já estão judicializados, inclusive tramitando em instâncias superiores. Tramitam no MPF procedimentos relacionados à demarcação de terras de cinco etnias do sertão alagoano: Katoquim, Karuazú, Geripankó, Koiupanká e Kalankó”.

Diante do cenário posto pela medida provisória, o procurador da República afirmou às lideranças presentes que já vem analisando as medidas mais adequadas para serem adotadas no âmbito dos procedimentos sob sua análise em Alagoas. (Com informações da Ascom do MPF em Alagoas)

Reportar Erro