Os Sessenta de Brasília

Fica difícil mentir perto de Jarbas Marques, o sabe-tudo de Brasília

Jarbas viu a capital florescer do barro que, assim como ele próprio, era vermelho

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Jarbas Marques chegou em Brasília antes do nada, acompanhando o pai na boleia de um caminhão, e depois como jornalista para documentar a consolidação da capital - Foto: Dênio Simões.

Jarbas Silva Marques conheceu o nada antes mesmo do “ermo”. Filho de caminhoneiro, ganhou do pai uma viagem ao pedaço de terra demarcado nos mapas como “futuro Distrito Federal”, em 1954, antes mesmo de definirem a construção da nova capital.

“Eu tinha passado no exame de admissão da Escola Técnica de Goiana”, lembra, hoje aos 77 anos. “Não tinha nada, apenas o que era um ajuntamento ali no Lago Norte (hoje, Varjão) com uma ponte de madeira para pegar a estrada de Planaltina”, completa o jornalista, pesquisador e historiador.

“Fica difícil mentir perto de mim; eu sei de muitas minúcias”, gaba-se. E sabe mesmo. Dos detalhes das fontes de areia e cascalho que abasteceram as primeiras construções da nova capital, o Palácio da Alvorada e o Brasília Palace Hotel, às movimentações de bastidores políticos, ele versa por horas e horas.

Após a visita junto ao pai, voltou como jornalista para acompanhar as obras pelo Hora de Brasília (inicialmente Primeira Hora). “Vínhamos eu e um fotógrafo de Goiânia, dormíamos em restaurantes”, recorda. “Era muito frio, só esquentava quando a gente bebia mesmo”.

Ônibus traziam pioneiros em busca de realizar sonhos.

Acompanhou boa parte das construções e todo o processo de ocupação do território ao longo da história candanga. Jarbas viu Brasília florescer do barro que, assim como ele próprio, era vermelho. Membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), conviveu com personalidades como Luís Carlos Prestes, e, em 1964, foi o primeiro jornalista de Goiás preso pela Ditadura Militar. “Diziam na prisão do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) que eu era ‘preso por atentar contra o regime'”. O regime em questão ascendera duas semanas antes, em 1º de abril.

Da cadeia, viu o tempo passar e Brasília emergir em meio aos uniformes verdes-oliva. Passou mais de uma década nos porões militares, com torturas constantes. “Eu saí da prisão e fui logo no Instituto Histórico e Geográfico (JHG)”, conta Jarbas, considerado pela Comissão Nacional da Verdade o preso político candango mais torturado pelos militares.

Foto rara da execução do impressionante projeto da catedral de Brasília.

No IHG, dedicou-se à docência e filmou aulas sobre a história da nova capital para capacitação de professores da rede pública. Quase comungado à história de Brasília, articulou as comemorações dos centenários do ex-presidente Juscelino Kubitschek, do ex-deputado e presidente da Novacap Israel Pinheiro e do ex-governador e engenheiro Bernardo Sayão, consagrando seu nome junto aos ilustres pioneiros.

Saudoso, Jarbas se refere aos bastiões da construção colocando antes o título de doutor. Defensor dos mais radicais da manutenção do planejamento inicial – que alçou Brasília a Patrimônio da Humanidade -, critica as alterações do Plano Piloto. “O dr. Lúcio tinha uma visão social, de que qualquer cidadão desceria na Rodoviária e estaria na cara dos maiores monumentos. Que cidade no mundo tem isso?”, provoca.

Com pesar, vê um futuro triste para a capital. “Eu não estarei aqui, mas tem-se que combater a especulação imobiliária. Querem destruiu um Patrimônio da Humanidade com Museu da Bíblia, com especulação. Não tinha isso nos projetos do dr. Niemeyer e do dr. Lúcio”, finaliza Jarbas, assumidamente um pessimista.

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