Usurpação de função

Delegados são contra policiais militares lavrarem termo circunstanciado

Policiais militares podem ser punidos por usurpação de função

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A recomendação do Ministério Público do Distrito Federal de transferir a responsabilidade da Polícia Civil de registrar termos circunstanciados para policiais militares está gerando um embate entre as corporações. De um lado, os policiais civis e delegados dizem que os militares não têm competência legal para a função; de outro, a PM diz que, se colocada em prática, a ideia pode economizar tempo perdido nas delegacias.

O diretor-geral da Polícia Civil, delegado Eric Seba, diz que trata com cautela a situação. "O que houve de fato foi que a Câmara Criminal do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) editou uma recomendação aos promotores, que poderão receber termos lavrados por PMs e policiais rodoviários federais, mas não que os policiais estão autorizados a lavrar, pois isso é ilegal", explica.

Sobre o embate com a Polícia Militar, que quer colocar em prática a ideia e até já confeccionou um modelo de TCO, Seba diz que ninguém quer briga institucional. "Estamos conversando com calma. Já conversei com o procurador de Justiça Leonardo Bessa, o comandante-geral da PM, coronel Nunes, e estamos fazendo as tratativas", abordou.

A PM já confeccionou um modelo de termo circunstaciado

Apesar de declarar não querer confronto entre as polícias, o diretor diz que se alguém cometer alguma ilegalidade (lavrar termo), vai ter que agir. "Não podemos fomentar esse tipo de ação, embate entre policias. Mas não admitimos ilegalidade. Se assim o fizer, o policial será punido e o caso será encaminhado à corregedoria", alerta.

A determinação da Direção-Geral da Polícia Civil de outubro do ano passado, de punir policiais militares que lavrarem TCOs, continua valendo. O caso é enquadrado como 'usurpação de função' e os delegados de todas as delegacias do DF estão autorizados a agir.

Controvérsias

Quando ocorre um crime de menor potencial ofensivo, a PM chega ao local, entende o caso e leva as partes envolvidas para a delegacia. Na unidade policial, o delegado pega os depoimentos, lavra o termo circunstanciado, onde o acusado deverá se apresentar à Justiça, e libera.

O subcomandante da PM, coronel Sant'Anna, comenta que essa situação desgasta principalmente o cidadão. "Imagine uma discussão de madrugada e briga de vizinho ao lado de sua casa, você chama a PM, que vai ao local, atende a ocorrência de menor potencial, uma hora depois leva todos para a delegacia, lá espera mais duas horas para registrar e só depois todos são liberados. Aí no dia seguinte o cidadão ainda tem que acordar cedo para ir trabalhar. Não é justo.", justifica.

Com o termo lavrado pela PM, o oficial diz que vai acelerar o processo e resolver a situação no local mesmo. "Nós respeitamos os colegas da PC, mas acredito que o MP tem volume significativo para tomar essa postura".

O subcomandante lembra que essa prática já funciona em outros estados do Brasil, como Santa Catarina e Rio Grande do Norte. Além disso, comenta que a PM atende cerca de 200 mil ocorrência de crimes de menor potencial ofensivo que poderiam ser resolvidas sem ir à delegacia.

Por outro lado, essa questão de lavrar o termo e ir direto ao Ministério Público preocupa o delegado Eric Seba. "Atualmente a ocorrência registrada na delegacia vai ao Judiciário. Se o termo lavrado pela PM for para o MP, como querem, vai atravessar e deixar o Judiciário de fora", alerta.

Outro problema identificado pela Polícia Civil é o banco de dados. Se os termos circunstanciais forem lavrados pelos policiais militares, eles não ficaram no sistema da PCDF, e isso vai prejudicar investigações. "Um crime de menor potencial ofensivo hoje pode ser a causa de um crime de maior potencial amanhã. E sem histórico do crime menor, como vamos investigar o crime maior?", questiona Seba. Os antecedentes de injúria, ameaças, brigas e outros também se perderão.

Do lado da PM, coronel Sant'Anna rebate que "quem tem esse pensamento (contra os PMs lavrarem termo) está agindo contra o cidadão de Brasília. Nós vamos trabalhar conforme orientação do Ministério Público", declara. Mas salienta que deve haver conformidade entre PMDF e PCDF. "Essa união das policias vai ser melhor para o combate à criminalidade do DF".

O que diz a lei

O Supremo Tribunal Federal (STF) diz que é de competência das polícias judiciarias a lavratura dos termos circunstanciados.

A decisão foi proferida pelo ministro Luiz Fux, em janeiro de 2014, nos autos do Recurso Extraordinário 702617 do Amazonas. O entendimento reafirmou a decisão proferida pelo Pleno da Corte na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.614, que teve como relatora a ministra Cármen Lúcia. O Recurso Extraordinário decorreu da ADI ajuizada pelo procurador-geral de Justiça do Amazonas, no Tribunal do estado, cujo objeto era o inciso VIII, § 3º, da Lei 3.514/2010, que previa a possibilidade da Polícia Militar, no âmbito de sua jurisdição, confeccionar Termo Circunstanciado.

Procurado pela reportagem, o Ministério Público do DF não se pronunciou.

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