MPF recorre contra absolvição de acusados de tragédia da Samarco
Recurso apresentado ao TRF6 pede condenação dos réus por crimes ambientais e relacionados à gestão de risco
O Ministério Público Federal (MPF) apresentou recurso ao Tribunal Regional Federal da 6º Região (TRF6), contra sentença de primeira instância que absolveu os réus por crimes de inundação, poluição com resultado morte e danos a unidades de conservação no desastre da mineradora Samarco, causado pelo rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015, com 19 mortos, em Mariana (MG).
O recurso do MPF pede a condenação das empresas Samarco Mineração S/A, Vale S/A e BHP Billiton Brasil Ltda., além da empresa Vogbr Recursos Hídricos e Geotecnia Ltda, mais seis executivos e técnicos, apontados como culpados pelo maior desastre socioambiental já ocorrido no Brasil.
O MPF defende a aplicação da teoria da autorresponsabilidade, que considera que a empresa possui culpabilidade própria, permitindo a responsabilização da pessoa jurídica de forma independente da responsabilização ou não das pessoas naturais envolvidas.
Pedidos do MPF e crimes
O MPF pede a reforma da sentença e a condenação dos réus por diversos crimes ambientais e outros relacionados à gestão de risco. Os crimes incluem poluição ambiental, destruição de fauna e flora, e causar dano à saúde humana ou ao meio ambiente, com agravantes devido à negligência e omissões que levaram ao rompimento.
Os dois diretores e os três engenheiros da Samarco denunciados respondem por crimes como poluição qualificada e destruição de recursos naturais. Já as empresas Samarco Mineração S.A., Vale S/A e Vogbr Recursos Hídricos e Geotecnia Ltda, além de um engenheiro da Vogbr, são acusados do crime de emissão de laudo ambiental falso e de terem responsabilidade por danos ambientais.
As empresas Samarco Mineração S.A., Vale S/A e BHP Billiton também respondem pela prática de poluição ambiental, destruição de ecossistemas e atos que resultaram em grave risco à saúde e à segurança pública. O MPF reforça ainda a incidência de agravantes devido à gravidade das omissões, aos danos em larga escala e à violação de normas ambientais.
O principal questionamento do MPF é o argumento de que as provas apresentadas não permitiriam a identificação das condutas específicas de cada acusado que levaram ao rompimento da barragem. Questiona ainda a tese de que não seria possível que lhes fossem atribuídos os resultados delitivos.
Atuação conjunta e complexa
O procurador da República, Eduardo Henrique de Almeida Aguiar, rebate, no recurso, que os crimes ambientais de maior envergadura não ocorrem pela conduta de uma pessoa isolada. E afirma que as falhas individuais nas competências de determinadas pessoas são responsáveis pelo resultado e suficientes à demonstração da causalidade pelo aumento do risco.
Em regra, defende Aguiar, crimes ambientais da dimensão do desastre da Samarco ocorrem pela atuação de uma grande empresa, com complexa estrutura organizacional, nas quais várias pessoas colaboram – algumas com poder decisório, outras meramente executando ordens, buscando desenvolver a atividade-fim da pessoa jurídica.
“É com este paradigma que deve ser analisada a responsabilidade individual nos delitos praticados no seio de grandes empresas, de estrutura complexa, como a Samarco, buscando identificar as pessoas naturais que falharam em suas competências permitindo o rompimento da barragem de Fundão”, pontua o recurso.
Omissão
O procurador contraria decisão de primeira instância, afirmando que o MPF comprova que todos os réus, na posição de garantidores, omitiram-se e que as suas omissões incrementaram o risco da operação da barragem, levando aos resultados lesivos ao meio ambiente e às populações.
O MPF rebate todas as premissas que aponta serem equivocadas e levaram à incorreta absolvição dos denunciados. E aponta 22 pontos de omissão. Entre eles, os seguintes:
- Recuo do eixo da barragem, com sucessivos alteamentos sobre região menos estável (lama), por tempo excessivo, foi uma das causas para o rompimento da barragem de Fundão;
- gerentes da Samarco denunciados foram omissos ao não preencherem o recuo, após recomendação expressa dos consultores, mas, “inexplicavelmente”, a decisão de primeira instância aponta que não haveria nexo de causalidade entre a omissão e a não evitação dos resultados danosos. A sentença afirmou a causalidade e a imputação objetiva, mas, na sequência, contrariando sua fundamentação, negou a causalidade.
- não realização dos estudos de suscetibilidade à liquefação, o aparecimento de trincas, a construção de berma de equilíbrio subdimensionada e a não retificação do eixo de um dos diques da barragem, recomendados por um grupo de especialistas que avalia tecnicamente e de forma independente as estruturas de armazenamento de rejeitos e das barragens;
- anulação injustificável das declarações pré-processuais prestadas pelo projetista da barragem de Fundão;
- aplicação do princípio da consunção (conceito jurídico do direito penal que estabelece que, em situações de dois crimes relacionados, um pode absorver o outro) na relação entre os crimes de poluição e o de danos à unidade de conservação, ambos previstos na Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), uma vez que o MPF julga incabível a análise em abstrato, tal como se deu na sentença.
“Resta demonstrado que a paralisação ou desativação da barragem tão logo quando percebidos seus problemas estruturais (ou mesmo a retificação do eixo e a construção de uma berma mais robusta, calculada a partir de metodologia que considera a condição não drenada, como sugere a sentença) evitaria ou mitigaria, com uma probabilidade próxima da certeza, o resultado, ou ao menos, o adiaria”, aponta o MPF, no recurso. (Com MPF/MG)