Dino propõe que crime de ocultação de cadáver não seja anistiado
Ministro do STF cita desaparecimento de Rubens Paiva, ao indicar criação de jurisprudência para repercussão geral a ser votada em plenário virtual
Em decisão divulgada neste domingo (15), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, propôs que crime de ocultação de cadáver não seja favorecido pela Lei da Anistia. Dino indica a criação de jurisprudência para repercussão geral a ser votada em plenário virtual pelo Supremo. Caso aprovada, a conclusão passa a ser aplicada a casos semelhantes por todos os tribunais no Brasil.
O ministro reconhece o caráter constitucional da matéria e a repercussão geral sobre a possibilidade, ou não, do reconhecimento da anistia ao crime de ocultação de cadáver. E citou o desaparecimento de Rubens Paiva, dado como assassinado pela ditadura militar no Brasil em 1971, ao considerar que tal delito é crime permanente, pois continua se consumando no presente, quando não devidamente esclarecido. O desaparecimento do escritor e dramaturgo é retratado no filme “Ainda estou aqui”, de Walter Salles, em cartaz nos cinemas.
A Lei da Anistia, de 1979, concedeu extinção da punição para crimes políticos e outros relacionados, no período entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, que abrange boa parte ditadura militar, que durou de 1964 a 1985.
Denúncia do MPF
A decisão de Dino foi tomada no âmbito de denúncia apresentada em 2015 pelo Ministério Público Federal (MPF) contra os ex-militares do Exército Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o Major Curió, e o tenente-coronel Lício Augusto Ribeiro Maciel. Ambos comandaram operações contra militantes de esquerda que organizaram a Guerrilha do Araguaia contra a ditadura, na primeira metade da década de 1970, chamada de ‘anos de chumbo’ da maior repressão política e autoritarismo estatal no país, comandado pelas Forças Armadas.
A Comissão Nacional da Verdade (CNV) revelou, em 2014, que o Major Curió coordenou um centro clandestino de tortura conhecido como Casa Azul, em Marabá, no sul do Pará e atuou no Tocantins, também de forma clandestina, na investigação e captura de militantes contrários à ditadura durante a guerrilha. Sebastião Curió morreu em 2022 e chegou a ser recebido pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), no gabinete presidencial, em 2020.
A denúncia do MPF não foi acolhida em primeira instância nem no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). Por isso, o órgão interpôs um Recurso Extraordinário com Agravo (ARE), agora admitido pelo STF.
O desaparecimento forçado de 70 pessoas ligadas à Guerrilha do Araguaia levou a Corte Interamericana de Direitos Humanos a condenar o Brasil, em 2010, e determinar que o país localizasse os corpos das vítimas e procedesse com investigação, processo e punição aos agentes estatais envolvidos.
Veja trechos da decisão de Dino:
“O debate do presente recurso se limita a definir o alcance da Lei de Anistia relação ao crime permanente de ocultação de cadáver. Destaco, de plano, não se tratar de proposta de revisão da decisão da ADPF 153, mas sim de fazer um distinguishing [distinção] em face de uma situação peculiar. No crime permanente, a ação se protrai [prolonga] no tempo. A aplicação da Lei de Anistia extingue a punibilidade de todos os atos praticados até a sua entrada em vigor. Ocorre que, como a ação se prolonga no tempo, existem atos posteriores à Lei da Anistia”.
“O crime de ocultação de cadáver não ocorre apenas quando a conduta é realizada no mundo físico. A manutenção da omissão do local onde se encontra o cadáver, além de impedir os familiares de exercerem seu direito ao luto, configura a prática crime, bem como situação de flagrante”.
“No momento presente, o filme “Ainda Estou Aqui” – derivado do livro de Marcelo Rubens Paiva e estrelado por Fernanda Torres (Eunice) – tem comovido milhões de brasileiros e estrangeiros. A história do desaparecimento de Rubens Paiva, cujo corpo jamais foi encontrado e sepultado, sublinha a dor imprescritível de milhares de pais, mães, irmãos, filhos, sobrinhos, netos, que nunca tiveram atendidos seus direitos quanto aos familiares desaparecidos. Nunca puderam velá-los e sepultá-los, apesar de buscas obstinadas como a de Zuzu Angel à procura do seu filho”. (Com ABr)