Os Sessenta de Brasília

Brasília promove o encontro de brasileiros, diz Arruda da cidade que já governou

Ex-governador conta o dia em que emudeceu diante de um JK sorridente

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Ex-governador do DF, José Arruda. (Foto: Dênio Simões).

“Eu era muito menino, lá em Itajubá, no interior de Minas Gerais. Foi quando eu estava aprendendo a ler, ainda no primário. Via as fotos do JK visitando as obras. Me imaginava nelas”.

Assim, da varanda de sua casa, o ex-governador José Roberto Arruda relatou sua mais distante lembrança do primeiro contato com a palavra “Brasília”, numa época entre os anos de 1958 e 1959. O menino, que cresceu e estudou engenharia, só pisaria em solo brasiliense no ano de 1976, quando chegou para um estágio na Companhia Energética de Brasília (CEB).

José Roberto Arruda integra a série OS SESSENTA DE BRASÍLIA, que registra a vida e a experiência de brasileiros, alguns ilustres, outros desconhecidos, todos absolutamente fundamentais na construção da História da cidade que hoje proporciona a melhor qualidade de vida do País. É a declaração de amor da equipe do Diário do Poder a Brasília.

Atualmente, ele acredita que o ex-presidente Juscelino Kubitschek foi o maior de todos os presidentes e recorda o dia em que conheceu JK. “Fui ligar energia na Fazendinha. Eu cumprimentei o JK e não consegui falar. Minha garganta fechou. Ele só ria”, contou, aos risos. O sorriso no rosto, no entanto, foi se perdendo ao relembrar a morte do grande estadista. “Quando ele faleceu, em 1976, eu fui ao cortejo. Do aeroporto, fomos andando até a Catedral, no meio daquela multidão que se despedia do seu grande líder”.

O ex-governador e Flávia Arruda, deputada campeã de votos.

Arruda, que completou 66 anos no início de janeiro, continua contando histórias da cidade que governou como se os fatos tivessem ocorrido ontem. Relembrou, por exemplo, o dia em que recebeu o urbanista Lúcio Costa, em meados de 1988. “Ele queria, anonimamente, tomar uma cerveja e comer uma pizza para sentir a cidade que ele havia inventado. O levei ao Beirute, mas não conseguiu passar despercebido. Um grupo de coral o reconheceu e fez uma bonita homenagem a ele, que chorou de emoção”, contou.

Ao citar Oscar Niemeyer, Arruda direciona suas palavras a um único alvo: a Catedral Metropolitana de Brasília. Nas palavras do ex-governador, o monumento é o maior símbolo da capital. Como engenheiro, ele reconhece a grande dificuldade de se encontrar os cálculos que permitiram a catedral a ficar de pé. “Você pode gostar ou não gostar, mas não pode dizer que já viu coisa parecida pelo mundo. O Niemeyer sempre teve razão”, afirmou, categórico, ao relembrar a célebre frase do grande arquiteto.

Menino, ele se via nas inaugurações de JK – Foto: Dênio Simões.

À época da construção de Brasília, o brasileiro vivia um grande momento de euforia, otimismo e redescobrimento. Em 1958, por exemplo, o Brasil ganhava sua primeira Copa do Mundo de Futebol. Arruda tem a escalação deste time na ponta da língua, assim como escala o time do presidente Juscelino Kubitscheck, que fez de Brasília um grande caldeirão do Brasil. “O JK encarnava o espírito que o brasileiro vivia. Uma geração de gênios, então, se encontrou para fazer Brasília e mudar a história do Brasil. Brasília, 450 anos depois de Pedro Álvares Cabral, é a conquista do Brasil pelos brasileiros”, sentenciou.

Memórias amargas.

Arruda, que é servidor aposentado da CEB e está há 10 anos afastado da vida pública, governou o Distrito Federal de janeiro de 2007 a março de 2010, quando foi cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral do DF por desfiliação partidária. Sobre o episódio da Operação Caixa de Pandora, que investigou uma rede de pagamentos ilícitos a deputados distritais em troca de apoio político, Arruda respondeu: “A política é muito cruel. A maldade humana é terrível. Mas o que eu sofri e sofro não é nada com o que JK sofreu. Ele saiu da presidência em 1960 e viveu até 1976. Os últimos 16 anos foram de perseguições, interrogatórios, prisão, exílio, humilhações… Grandes homens sofreram mais que eu. Imagina eu que sou pequeno”.

Com Joaquim Roriz, a iniciação na política.

O momento de maior tribulação em Brasília ainda não passou e só está sendo superado com ajuda da família. Casado com a deputada federal Flávia Arruda, o ex-governador contou que a força vem de Deus, dela e de seus seis filhos. “A tragédia que vivi não foi e não é fácil. Na vida, tive grandes vitórias e grandes derrotas. Meu livro de memórias não terá rotinas (risos). Em 10 anos de afastamento da vida pública, Deus e minha família têm me dado uma força que não tenho. Tenho uma filha de 5 anos e tento passar esse amor por Brasília a ela todos os dias”.

Arruda não teceu críticas aos gestores que o sucederam na cadeira do Palácio do Buriti. Ele torce pelo sucesso da cidade. Espera, um dia, ver Brasília retomar a utopia que estava no gene de seus criadores. Segundo ele, a capital nasceu para ser diferente, para levar maior igualdade entre os brasileiros e isso é realidade ao se perceber a miscigenação constante no povo brasiliense. “Brasília é a primeira cidade na história do Brasil que permitiu que um gaúcho se casasse com uma baiana e ninguém visse nada de estranho nisso. Brasília causou o encontro dos brasileiros. Brasília mudou tudo”, finalizou.

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