Improbidade clara

MP arquiva caso de nepotismo, sem denunciar Renan Filho por empregar tio

Colégio do MP analisará decisão e deve denunciar improbidade

acessibilidade:

Tio ganhou R$ 200 mil com ato de Renan (Fotos: WhatsApp e Carlos Rudney)

Com o argumento de que “a possível ilegalidade encontra-se devidamente sanada” a promotora de Justiça Norma Sueli Medeiros decidiu arquivar o procedimento que investigava o caso de nepotismo em que o governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), indicou seu tio Rogério Rodrigues da Rocha, para assumir o cargo técnico e comissionado de diretor de operações da Agência de Fomento de Alagoas S/A, a Desenvolve. A decisão publicada no Diário Oficial da última terça-feira (15).

O despacho da promotora não cita o ato de improbidade administrativa configurado na indicação feita pelo governador em favor de seu tio Rogério Rodrigues da Rocha. Mas não exclui o dever de ofício da Procuradoria Geral de Justiça de Alagoas de denunciar ou pelo menos se posicionar a respeito da postura de Renan Filho de favorecer ilegalmente o seu parente, com afronta aos príncípios constitucionais da administração pública.

O caso de nepotismo rendeu ao tio de Renan Filho quase R$ 200 mil em recursos públicos, em um ano de pagamento de vencimentos e verbas de representação do autodenominado “Banco do Povo”, que utiliza verba do Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza (Fecoep) e do BNDES em linhas de crédito que liberaram mais de R$ 20 milhões, desde 2015.

A situação foi exposta em reportagem exclusiva do Diário do Poder, em 19 de janeiro, que resultou na constatação da ilegalidade e na exoneração “a pedido” do tio do governador, no mês seguinte.

Ao arquivar o caso, a representante do MP de Alagoas recorre à aplicação da hipótese de arquivamento regulamentada na Resolução nº 174, de 04 de julho de 2017, Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que destaca o argumento de que “o fato narrado não configura lesão ou ameaça de lesão aos interesses ou direitos tutelados pelo Ministério Público”.

O procurador-geral de Justiça, Alfredo Gaspar de Mendonça Neto explica que quando um promotor arquiva um procedimento, ele segue para o Conselho Superior do MP analisar o ato de arquivamento. “Então, haverá uma análise pelo colegiado de 2º grau. O mérito será analisado pelo colegiado, de novo”, disse o chefe do MP de Alagoas.

O FAVORECIMENTO

Fora da alçada da promotora, devido ao foro privilegiado do governador, é inevitável que Renan Filho seja alvo da propositura de uma ação civil por ato de improbidade administrativa, configurada quando o chefe do Executivo Estadual assinou a indicação do nome de seu tio para o cargo comissionado que exige qualificação técnica específica, o que já configura o ato de favorecimento ilegal.

O favorecimento ilegal do irmão da mãe de Renan Filho, Maria Verônica Rodrigues Calheiros, é evidente porque a instituição financeira ligada à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico e Turismo (Sedetur) é uma sociedade anônima de economia mista, de capital fechado, e tem como controlador acionário o Governo de Alagoas. Enfim, o governador é a autoridade que controla a instituição financeira e, via ofício, pediu a convocação do Conselho de Administração da Agência Desenvolve, que tem cinco dos sete membros indicados pelo chefe do Executivo Estadual.

Dois dias depois da formalização da indicação do tio do governador para o cargo, o Conselho de Administração se reuniu e aprovou o nome por unanimidade, com a presença de Hélder Gonçalves Lima, Rafael de Góes Brito, George André Palermo Santoro, Fabrício Oliveira de Albuquerque e Renato Dias Regazzi. Com a exceção deste último, todos são secretários subordinados ao governador Renan Filho.

Veja o ofício obtido pelo Diário do Poder via Lei de Acesso à Informação (LAI):

ATO PESSOAL E IMORAL

A configuração da improbidade administrativa inerente à prática de nepotismo pode ser atestada pela afronta aos princípios da moralidade e impessoalidade prevista na Constituição Federal de 1988; na Lei de 8.429/1992; e reforçada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Súmula Vinculante nº 13 e regulamentada no âmbito federal pelo decreto nº 7.203/2010.

A tese do nepotismo somente seria invalidada, caso o indicado pelo governador ocupasse cargo de caráter político. Mas o estatuto da Desenvolve afirma que o cargo de diretor de operações tem natureza técnica. E, além disso, tal qualificação técnica específica exigida no parágrafo 2º do Artigo 27 do estatuto da agência não consta no currículo de Rogério Rodrigues da Rocha, que possui experiência bem diferente da rotina de aprovação, controle e analise de operações de crédito, exigida pela função.

O tio do governador de Alagoas recebeu salários brutos de R$ 8.685,86 mais “verbas de representação” que variavam de R$ 8,5 mil a R$ 9 mil da agência que financia programas como os arranjos produtivos locais (APLs).

Diário do Poder nunca obteve respostas do ex-diretor de Operações da Agência Desenvolve às ligações telefônicas, e Rogério da Rocha não se posicionou sobre o caso, nem respondeu aos questionamentos sobre se concordava com o privilégio pelo parentesco com Renan Filho, enviados para seu telefone celular. Renan Filho também nunca respondeu se considera o ato de favorecer seu parente como um exemplo da “nova política” que ele prega desde a campanha de 2014 e que diz exercer no governo.

O currículo apresentado no momento da indicação do tio de Renan Filho mostra uma graduação concluída em Ciências Contábeis, uma pós-graduação inacabada, além de experiência profissional de mais de 16 anos em áreas ligadas à prevenção de acidentes, diagnóstico de saúde e estilo de vida, arrecadação; bem como menos de dois anos atuando na liberação de seguro desemprego e recursos humanos.

Segundo o parágrafo 2º do Artigo 27 do estatuto: “Os cargos de Diretor de Desenvolvimento e Projetos e de Diretor de Operações só poderão ser exercidos por profissionais com comprovada experiência na respectiva área de atuação”. E a Lei Estadual nº 6.488 que criou a agência de fomento em 2014, apresenta resumidamente as atribuições que exigem qualificação técnica e não meramente política para a função, em seu Artigo 20, que é complementado detalhadamente pelo Artigo 34 do estatuto, que cita como exemplo de atribuições coordenar e orientar operações, acompanhando e controlando as concessões de créditos, incluindo aspectos de liquidez, limites de endividamento e concentração de riscos, bem como desenvolver políticas de investimento, gerando informações gerenciais e financeiras e implantando indicadores que possam embasar a tomada de decisões.

Veja o currículo de Rogério Rodrigues da Rocha, analisado para que ingressasse no cargo: 

Reportar Erro