Carta branca do sal-gema

IMA de Alagoas não faz contraprova de dados da Braskem para licenciar mineração

Órgão licenciador não tem sonar para contestar relatórios de mineradora

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Braskem operava poços de sal-gema na margem da Lagoa Mundaú, no bairro do Mutange, em Maceió (AL). Foto: Google

A incapacidade técnica do Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA/AL) para fiscalizar a atividade de mineração da Braskem em poços de extração de sal-gema em Maceió (AL) foi evidenciada na última sexta-feira (22) pelo próprio representante do órgão licenciador da atividade suspeita de causar tremores e rachaduras no bairro do Pinheiro, na capital alagoana. A informação de que o IMA não tem geólogo efetivo ou comissionado, nem produz contraprova ao fiscalizar a atuação da Braskem, foi exposta durante a audiência pública da Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE) que discutiu a situação de insegurança de milhares de famílias de áreas próximas de poços de extração da Braskem.

A subsidiária da Odebrecht que já perfurou 35 poços, entre a Lagoa Mundaú as áreas com moradias em risco de desmoronamento em Maceió, foi apontada pelo presidente da República Jair Bolsonaro (PSL) como responsável pelo fenômeno geológico, ainda sem causa definida por especialistas do Serviço Geológico do Brasil (CPRM). E a incapacidade de fiscalização foi exposta a moradores e autoridades no fim da audiência pública, após o deputado Davi Maia (DEM-AL) questionar quem no órgão licenciador estadual faz a análise das atividades de mineração de sal-gema e se o IMA tem capacidade técnica, recursos humanos e equipamentos para atuar.

Um geólogo identificado como Gean se apresentou como representante do presidente do IMA, Gustavo Ressurreição Lopes, e revelou que atua sozinho na área de geologia como consultor do órgão. Na audiência pública, ele respondeu que o IMA não tem equipamentos com tecnologia necessária para fazer uma contraprova de relatórios técnicos apresentados pela Braskem para manter o licenciamento ambiental.

Gean citou que, a cada dois anos, a Braskem pede a renovação da licença ambiental e, anualmente, elabora o Relatório Anual de Lavra, que é entregue ao antigo DNPM, autarquia federal convertida recentemente em Agência Nacional de Mineração (ANM). Relatório esse que no IMA é chamado de Relatório Anual de Desenvolvimento Ambiental.

“Capacidade técnica, temos sim. Mas não temos equipamentos suficientes para, por exemplo, fazer o que a deputada Jó Pereira [MDB-AL] questionou logo cedo, que era fazer uma ‘contraprova’, digamos assim, do que a Braskem nos fornece. São equipamentos caríssimos. Têm uma tecnologia muito resumida, poucas pessoas do mundo dominam ela e é muito custoso. Então, em termos de questionamento, de contraponto aos relatórios que nos é enviado, não temos equipamentos suficientes para isso. Mas capacidade técnica para analisar a documentação assim como a agência [ANM] faz, também fazemos”, relatou o geólogo contratado pelo IMA.

O técnico do IMA também causou surpresa no deputado Cabo Bebeto (PSL-AL), quando afirmou que a análise era “superficial” e que o IMA não buscou contratar geólogo ou equipamento para fiscalizar melhor e contrapor os estudos da Braskem.

“Nós não temos equipamentos para isso. A gente não tem um sonar, que vai lá na área, vai fazer o monitoramento da caverna. Quem faz essa aquisição é a própria Braskem, ou empresas credenciadas”, disse o representante do IMA, ao ser interrompido por um sonoro “Ah!”, dos moradores presentes na audiência. “O IMA não tem um sonar que fica lá no poço da Braskem, para contestar aquilo”, concluiu.

Audiência pública na ALE debateu situação de emergência no bairro do Pinheiro em Maceió. Foto: Ascom ALE

‘Zelo’ midiático

A revelação aconteceu menos de um mês depois de o governador Renan Filho (MDB) sugerir que atuaria com zelo em relação ao bairro ameaçado, anunciando a suspensão de um licenciamento da Braskem para atuar na extração de sal-gema no Pinheiro, que teria sido renovado sem o órgão licenciador contestar informações.

“Já pensou se você tem concordado com esses laudos e amanhã se prova que esses laudos, de repente, estão sendo maquiados para a Braskem, cara? Olhe o que vai cair sobre você”, alertou o deputado Cabo Bebeto, durante a sessão.

Para o deputado Davi Maia (DEM-AL), o contexto exposto na sessão só mostra o quanto o IMA está despreparado. “Um órgão licenciador que não tem geólogos nos seus quadros, deixou todos os deputados que participavam estarrecidos, assustados. Como você tem grandes empreendimentos em Alagoas, como a Braskem, Petrobras… Outras explorações de petróleo, gás natural, mineração em Craíbas, com vários impactos ambientais para os quais é necessário um laudo técnico de um geólogo e o IMA  não tem nos quadros; nem efetivo, nem comissionado”, disse o parlamentar do Democratas.

Ao lembrar que o IMA enviou como seu representante um consultor, “sem contrato regular com a instituição, sem estar à disposição do órgão”, Davi Maia lembrou que o órgão pressiona municípios a ter quadro técnico para emitir licenciamentos. E disse que juntamente com o deputado Cabo Bebeto irá encaminhar ao presidente da Assembleia, deputado Marcelo Victor (SD-AL), a solicitação para que a comissão de Meio Ambiente, que ainda não está formada, convide para sua primeira reunião o diretor-presidente do IMA, Gustavo Lopes, para prestar esclarecimento.

“A gente quer saber qual é o cargo técnico efetivo do IMA responsável pelo licenciamento. E também estamos encaminhando questionamentos aos Ministérios Públicos Estadual e Federal e varas para saber como o IMA está licenciando e fiscalizando sem ter os técnicos necessários e equipamentos para isso. A gente não sabe como. Não estou nem duvidando dos laudos da Braskem, mas é necessário que o órgão como o IMA tenha uma contraprova, ou solicite de algum órgão a contraprova. Isso me assustou. Me deixou muito temeroso essa situação do IMA”, relatou Davi Maia, ao Diário do Poder.

Veja o momento em que o representante do IMA revela as incapacidades técnicas do órgão:

Licencia sem contestar

Gean atua no órgão ambiental através de um contrato de consultoria, desde 2016. Ele disse que a equipe do IMA já foi composta por dois geólogos, antes de ele passar a atuar sozinho no órgão estadual. E desconhece a existência de geólogo efetivo atuando no Estado.

“A partir dos eventos de 2018, que teve toda essa mobilização, e a CPRM tomou a frente dos estudos, o IMA não fez nenhum contraponto ao que foi apresentado pela Braskem, até agora. Entendeu? Não viu nada de anormal nos relatórios”, reforçou o geólogo, destacando que a CPRM é a maior entidade nacional no âmbito geológico.

O geólogo consultor do IMA disse que pretende “pedir à Braskem um estudo ambiental atualizado” da área de exploração de sal-gema, em Maceió, para o licenciamento ambiental. Para ele, melhor perspectiva para diagnosticar a suposta relação da mineração com os problemas no Pinheiro é “esperar o relatório final da CPRM”, que deve ser emitido somente em junho.

As assessorias de imprensa do Governo de Alagoas e do IMA não responderam aos questionamentos enviados pela reportagem, que questionavam como o órgão explica e por que mantém a ausência de geólogos no quadro de servidores efetivos do órgão ambiental, bem como a ausência de equipamentos para estudos na área de geologia em um estado que mantém o licenciamento ambienta de exploração de sal-gema desde 1975.

“Alguma providência será tomada para dotar o IMA de capacidade técnica para fiscalizar e avaliar licenças ambientais com técnicos efetivos e equipamentos mais eficazes?”, foi uma pergunta não respondida pelo governo de Renan Filho e pelo IMA.

O Diário do Poder também perguntou à Braskem se a mineradora comentaria a falta de estrutura do IMA para licenciar e fiscalizar sua atividade de extração de sal-gema do subsolo da capital alagoana. “Com relação às questões do IMA, não nos posicionaremos”, foi a resposta. A empresa já publicou nota garantindo a segurança de suas operações. E produziu o seguinte vídeo, depois de ser apontada como suspeita de abrir cavernas no subsolo e provocar as rachaduras na superfície da região com falha geológica.

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