Racismo em Maceió

Diretora é acusada de sugerir chicote dos bons para professora negra recordar escravidão

Protesto denunciou caso de racismo em escola particular da periferia de Maceió (AL)

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Professora Thaynara Cristina, de blusa branca, recebeu apoio de alunos e professores em protesto. Fotos: Coletivo União das Letras e Sofia Sepreny/Jornal Extra

Uma atitude racista ocorrida em sala de aula foi denunciada nesta quarta (5) por estudantes e pela professora Thaynara Cristina Silva, 25, do Colégio Agnes, no bairro da Ponta Grossa, na periferia de Maceió (AL). A jovem educadora prestou queixa à Polícia Civil por crime de racismo contra a diretora e proprietária da escola particular, Suely Dias. E relatou que sua patroa sugeriu que seus alunos comprassem um chicote, “dos bons”, para agredir a professora e a fazer relembrar da escravidão “que tanto teme”.

Segundo Thaynara e os estudantes que protestaram hoje, os insultos aconteceram quando ela estava dando aula para sua turma do 3º ano do ensino médio, na manhã de terça (4). Durante o protesto que também reuniu professores e representantes de entidades, os denunciantes relataram à imprensa que a diretora entrou exaltada na sala de aula, diante de cerca de 50 alunos adolescentes, dizendo que a professora foi responsável por um acidente de trânsito envolvendo o filho dela, por causa de uma discussão por telefone.

“Na discussão, na frente de toda turma, ela disse que eu era ousada. E depois falou que quem fosse à cidade Ouro Branco [no Sertão de Alagoas] trouxesse um chicote de couro para me dar umas chicotadas e lembrar da época que tanto falo [escravidão] e temo”, relatou Thaynara Cristina, em entrevista ao G1.

A professora relatou ainda que, diante da reação dos alunos em repudiar a atitude racista, a diretora alegou que tudo não passava de um teste para saber se os alunos estavam de fato aprendendo os ensinamentos contra discriminação racial.

“Alguns dos estudantes já estavam chorando e eu saí da sala também para chorar. Quando cheguei na sala dos professores, ela trancou a porta e me disse que tudo não passava de brincadeira. Que tinha uma empregada negra que comia na mesa da família porque era como se fosse da família. Em seguida, completou dizendo que não era racista, porque havia me contratado como professora, não optando por uma professora branca para a função”, relatou Thaynara, também ao G1.

A professora trabalha no colégio particular desde 2017, ensinando gramática, redação e interpretação textual.

Desculpas e repúdio

Em entrevista à TV Gazeta, o outro diretor do Colégio Agnes, Matheus Oliveira, disse que a escola repudia qualquer tipo de preconceito e discriminação, tanto racial quanto sexual e de classe social.

“A gente mantém uma política de repúdio a qualquer tipo de preconceito e discriminação. Tanto que aqui no colégio nós fazemos conscientização disso durante vários anos. O colégio está tomando as providências pra resolver essa situação da melhor maneira possível”, disse Oliveira, para a afiliada à TV Globo.

O perfil da do Colégio Agnes chegou a publicar no Instagram um pedido de desculpas, admitindo erro e pedindo perdão. Sem detalhar sobre quem foi a vítima e a agressora, a nota disse que a instituição sabe da dor que a população negra passou e passa ao longo da história.

“Sabemos que muitos foram machucados hoje e sentimos sua dor, nós iremos nos responsabilizar e tomaremos as medidas necessárias para que o que aconteceu hoje, jamais volte a se repetir, seja quem for”, disse a mensagem, retirada do ar horas depois.

Em matéria do site do Jornal Extra de Alagoas a diretora Suely Dias afirma que “tudo não passou de um mal entendido” e disse que gostaria de dialogar mais calmamente com Thaynara e pedir desculpas a ela e às pessoas que se sentiram ofendidas, caso fosse necessário.

“Fui pega de surpresa. Ex-alunos e professores vieram me procurar para saber o que aconteceu. Sim, falei sobre
Ouro Branco e a qualidade do couro daquela cidade, mas ela levou como eu queria bater nela”, disse a diretora, ao Extra, além de afirmar sempre ter apoiado e admirado a proximidade da professora com os alunos e suas lutas raciais e sociais.

O Diário do Poder não conseguiu contato com a diretora acusada de racismo.

A Seccional Alagoana da Ordem dos Advogados do Brasil publicou a seguinte nota de apoio à professora Thaynara Cristina:

NOTA DE APOIO

A Ordem dos Advogados do Brasil Alagoas, através da Comissão de Direitos Humanos, Comissão de Promoção da Igualdade Social e Comissão Especial da Mulher, manifesta apoio à professora Taynara Cristina, vítima de injúria racial em uma escola, no Trapiche da Barra, em Maceió.

Os presidentes das comissões citadas já entraram em contato com a professora e declararam apoio pessoalmente, além de acompanha-la em depoimento na Delegacia de Polícia.

É inaceitável que atos discriminatórios e racistas continuem sendo praticados. Preconceito e segregação não podem mais ser tolerados.

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