Sem licença da ANAC

Aeroclube de Alagoas vendia voos irregulares em avião que caiu com Gabriel Diniz

Clube e piloto morto em acidente divulgavam voos panorâmicos sem aval da ANAC

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Aeronave que caiu com Gabriel Diniz era oferecida para transporte turístico em Maceió. Foto: Divulgação Facebook

Em meio às buscas pelas causas do acidente que vitimou o cantor Gabriel Diniz e mais dois pilotos do Aeroclube de Alagoas, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) investiga o uso irregular da aeronave de instrução de matrícula PT-KLO com o transporte remunerado de passageiros. As declarações do pai do piloto Abraão Farias, Erinaldo Farias, sobre o custo de R$ 4 mil para transportar o cantor não são as únicas evidências da operação irregular do avião monomotor. Nas redes sociais, o próprio Aeroclube de Alagoas e o seu diretor e piloto Abraão Farias ofereciam voos panorâmicos.

A aeronave que caiu em um manguezal de Estância (SE), na última segunda-feira (27), ilustra propagandas que oferecem voos panorâmicos no litoral de Alagoas, através dos perfis do Aeroclube de Alagoas nas redes sociais. A última delas foi publicada em 29 de janeiro de 2018 e era mantida no ar até ontem (28). E foi retirada do perfil do Instagram, depois de o Diário do Poder questionar sobre a regularidade da operação, através de um dos contatos do Aeroclube de Alagoas.

O próprio piloto e diretor do Aeroclube de Alagoas, Abraão Farias ilustrou uma das propagandas feitas em vídeo publicado no perfil do clube, em 21 de outubro de 2017 com participação do humorista maceioense Dinho Kapp, conhecido como Papa-capim.

O serviço de voo panorâmico também foi oferecido em postagens com a imagem do avião e contatos do Aeroclube de Alagoas para informações e agendamento, em 15 de novembro de 2017, no Instagram.

No vídeo, o piloto falecido, que também dirigia o Aeroclube de Alagoas convida: “Você quer fazer o voo panorâmico aí, que vocês viram o Dinho voando? É só entrar em contato com o Aeroclube de Alagoas. Ou então fazer o curso de piloto, se é o seu sonho. Vamos voar gente! Aeroclube de Alagoas!”, diz Abraão Farias, diante da aeronave que caiu.

Assista:

 

Voo por R$ 450 

Em 3 de fevereiro de 2018, no dia do desfile do bloco Pinto da Madrugada, a jornalista Thácia Simone foi convidada pelo Aeroclube de Alagoas a fazer um voo para divulgar o serviço de voo panorâmico. E seguiu até um dos cartões postais do litoral alagoano, a Praia do Gunga, na aeronave PT-KLO pilotada por Abraão Farias, ao lado de sua irmã Kássia e da também jornalista Viviane Chaves.

“Fomos até o Gunga, no dia do pinto da madrugada do ano passado. Meu voo foi super tranquilo. Abraão transmitia segurança. Parecia muito técnico e dedicado a sua profissão”, disse a jornalista Thácia Simone, ao revelar ao Diário do Poder ter sido informada à época de que o voo panorâmico custava R$ 450, com capacidade para três passageiros, mais o piloto.

Questionada pela reportagem se a aeronave já teve registro na categoria de táxi aéreo para transportar passageiros, a Assessoria de Imprensa da ANAC explicou que a categoria de registro de aeronave define o tipo de operação que ela está autorizada a realizar. E disse que a aeronave em questão somente poderia operar na modalidade instrução. “A aeronave acidentada somente foi registrada na categoria de instrução”, concluiu a ANAC.

Diretores do Aeroclube de Alagoas, antes de voo oferecido a jornalista Thácia Simone para divulgar serviço. Foto: Instagram

Alerta da ANAC

Segundo dados do Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB), a aeronave da fabricante Piper Aircraft, de marcas PT-KLO, estava com o Certificado de Aeronavegabilidade (CA) válido até fevereiro de 2023 e a Inspeção Anual de Manutenção (IAM) em dia até março de 2020, dentro de sua categoria de operação como avião de instrução. O modelo é um monomotor com capacidade máxima de 3 passageiros mais a tripulação, totalizando 4 assentos.

A ANAC alerta que, para que um avião ou helicóptero passe a operar como táxi-aéreo, é necessário haver um processo de certificação na Agência, pelo qual se verifica se a aeronave tem o nível de segurança necessário para o transporte de passageiros. A aeronave precisa passar por vistoria a fim de que se verifique o cumprimento de uma série de medidas técnicas e de manutenção que atestam o maior nível de segurança do equipamento.

As empresas autorizadas pela Agência a prestar o serviço de táxi-aéreo são obrigadas a contratar seguro para casos de indenização.

A ANAC suspendeu cautelarmente as operações do Aeroclube de Alagoas, em Maceió (AL), e interditou as nove aeronaves pertencentes à empresa, devido ao acidente que vitimou fatalmente o cantor Gabriel Diniz, o piloto comercial Abraão Farias e o piloto privado Linaldo Xavier, estes diretores do aeroclube.

O cantor chega a brincar sobre os custos do voo, em vídeo publicado momentos antes do acidente, quando viajava para Maceió, onde celebraria o aniversário da namorada Karolline Calheiros. Jonas Lira, citado pelo artista, é um alagoano alvo de brincadeiras de artistas sobre um suposto padrão de vida luxuoso, mas não tem relação com o frete do avião.

O Aeroclube de Alagoas leu, mas não respondeu aos questionamentos enviados via aplicativo de mensagem pelo Diário do Poder, que questionou se sua diretoria explica o fato de o Aeroclube de Alagoas e o próprio piloto falecido Abraão Farias terem oferecido nas redes sociais o serviço de voo panorâmico com a aeronave PT-KLO, registrada apenas como aeronave de instrução. “A aeronave trabalhava com transporte remunerado de passageiros, como declarou o pai do piloto e como anunciavam nas redes sociais?”, foi outro questionamento não respondido pelo Aeroclube de Alagoas.

No dia do acidente, o diretor de materiais do Aeroclube de Alagoas informou à imprensa que os pilotos mortos no acidente eram dirigentes co clube e tinham locado a aeronave para passar o fim de semana em Salvador (BA) e estavam dando carona ao artista, que fez seu ultimo show em Feira de Santana (BA). Mas o pai do piloto Abraão Farias, Erivaldo Farias, disse em entrevista à TV Gazeta que Gabriel Diniz saiu de Maceió, em voo fretado por R$ 4 mil, para fazer o show e retornar para a capital alagoana.

As investigações sobre as causas do acidente estão sendo conduzidas pelo Segundo Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SERIPA II), de Pernambuco (PE), órgão regional do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), do Comando da Aeronáutica. E os destroços da aeronave já estão no Aeroclube de Sergipe, em Aracaju (SE).

 

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